quarta-feira, 9 de maio de 2007

Serenata em Olinda...


Os olhos diziam tudo. Seguiam-na como uma sombra, aonde quer que fosse, quando dava por si, estava em seu foco, dentro do seu olhar. Não importava o ângulo, ela era o seu alvo... Embora carregasse consigo um ar blasé, ela era o seu alvo.
As mãos sempre na cintura, em posição de descanso, mas atento como um cão de guarda. Não a deixava só.
Tinha pernas grossas, nariz aquilino, queixo saliente, olhos miúdos (e cabelos) tão pretos como a escuridão nas noites sem luar. Suas vestes lhe configuravam um estilo casual, passava despercebido, um urbanóide num final de expediente de trabalho....
Aquele diálogo silencioso, fora acompanhado apenas pela perspicácia da amiga, cuja sensibilidade não lhe deixara escapar nada.
A música e a cantoria prosseguiam, havia risos no ar, casais apaixonados, turistas estrangeiros, paradas à toa para cumprimentar quem se postasse na janela para acompanhar o cortejo de cordas que passava... E deixava no ar os acordes saídos do bandolim, do ‘bandoneon’, do violão.
A lua, espiava lá de cima aquelas pessoas que se reuniam para o canto despretensioso, um coral de vozes sem maestro ou maestrina, mas um canto livre, que saía da emoção de cada um, não havia técnica, apenas a alegria em fazer parte daquele momento...
Nas sacadas dos velhos sobrados coloniais, lençóis brancos tremulavam como bandeira desfraldada, num pedido de paz, e em seus peitoris, senhoras, senhores, moças debruçadas, contemplavam à altura, a feliz corte musical, e aplaudiam entusiasmadas(os) a sua passagem.
Para compor tão prosaico e único cenário, um senhor distribuía rosas vermelhas aos partícipes da serenata.
O que os faziam iguais nessa procissão atrás de uma orquestra de cordas? A atmosfera da cidade? O gosto pela música? O indelével fato de se cultivar um hábito incomum de preservação desse pequeno grupo de trovadores, que espargem sua música pelas ladeiras da ‘seiscentista’ cidade como se ainda fora a era medieval? Ou o prazer do calor humano, numa época em que isso é quase uma raridade?
O que os reúnem semanalmente já não importa, o fato de estarem vivos para a próxima sexta-feira é assaz compensador, para que façam novamente todo o percurso, e explodam em cantoria toda emoção e alegria para o próximo encontro....

P.S.

Especialmente para a minha amiga de todas as horas e vizinha, Marilene...
Noite de 29 de julho de 2005.

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