quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Salomé

(imagem recolhida na internet)


ambiente em cor púrpura-dourada
cortinas esvoaçantes
gestual esquivo
e cheio de graça

no ar perfume de damasco
(des)coberta por sete véus
flutuando como uma garça
despertando desejos

brilho sorrateiro no olhar
nas veias calor e fogo
em transe: um ritual
feitiço e desejo carnal

continua seu jogo
de beleza e maldade
sagrado e profano
no palco da sensualidade

erótica e insolente
provoca despudoramente
cobiça e poder
trama de alcova

a fé que salvaguarda
o beijo que foi negado
a rejeição sentida
não quer de ti só a cabeça

numa salva de prata
quer-te coração
corpo pensamento ação e pulsão
sua vida!


A imagem que me vinha, enquanto postava esses versos, era da Shakira, cantando e dançando:
Whenever Wherever...


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Essa (in)condicional humana

(imagem colhida na internet)

O meu nervo ótico
Minha veia ética
Meu olhar estético
Minha lucidez etílica
Essa vertente estática

Esse ser aflito

Essa diáspora de mim
Ambigüidade sem fim
Esse fogo de Iansã
A saudade corrosiva
Racionalidade ostensiva

Esse tanto conflito

Sem pecado sem perdão
Vazante e vazão
Essa fé quântica
Confusão dos sentidos
Invasão pré-cambriana

Esse poder restrito

Mundo atroz, ora indulgente
Pérfido, feroz
Prodigioso em inesperações
Incompreensíveis tentações
Saudade lava incandescente

Esse tão infinito

Ar em movimento
Essa tempestade interior
Raios trovões ventania
Esse rio caudaloso
Das lágrimas derramadas, enchente

Esse cogito

Esse cotidiano que engole
Essa rotina que consome, absorve
Saudade que arrebata
A dicotomia nas entranhas:
Paixão ou razão

Esse interdito

Essa (in)condicional humana...



A canção que invade esse momento e esse sentimento, não poderia ser outra senão essa aí, aperto o repeat e escuto seguidamente. Uma sugestão: quem não viu o documentário sobre eles, não sabe o que está perdendo, é bár-ba-ro, de facto!

domingo, 8 de novembro de 2009

Outono

(imagem recolhida da net)

Vivo meu equinócio à revelia da vontade de Zênite, dias e noites se completam sempre com as mesmas vulgares ocorrências: nuvens serenas de poeiras, ventos leves, plumas airosas, alguns meros pontos de luz à risca dos olhos, embore admire o espetáculo monocromático das folhas secas que vagueiam perdidas entre bosques, praças e avenidas com árvores solitárias despidas de suas vestes. A íris a confundir-se com as cores indiferentes, frias e distantes do outono, estação do ano que quase me paralisa de tão bela que é, respiro devagar e cuidadosamente para não ser tragada pelo ocre das alamedas, caminho lentamente, mãos no bolso do casaco, com frio - esse fiel companheiro -, acompanho com o olhar o vai e vem das folhas que se soltam dos galhos como idéias porosas, e o pensamento em semi-círculos, dando volteios acrobáticos em torno de imensas saudades.

As pessoas passam por mim cerradas em seus próprios devaneios, suas lembranças, quem sabe suas dores, servindo de grades que impedem aproximações e o tempo gesta sentidos e sentimentos vastos em mim, disfarço-me em sombras como quem se esgueira por entre as folhagens densas dos jardins que sequer conheço, invento-me flores e cores, numa inútil tentativa de sobressair da multidão terracota que passa apressadamente à minha volta.

E nessa meditação sem fim, o vento arranca de mim, a última lembrança tua, quantas palavras sepultaste nesse dorido silêncio, nós que rompemos barreiras, destruímos abismos, clareamos cegueiras, hasteamos bandeiras; nós que fomos uma só tribo, barro, água, betume, azeite, sal; carvão, a nossa descoberta do fogo; cobre, cobalto, chumbo, zinco; lápis-lázuli, carbono, cádmio, crómio, titânio, mercúrio, hematite, todos os pigmentos em mescla, resultavam na nossa cor: amor-terra!

Ainda nas cavernas falávamos um idioma só, bebíamos em um só cântaro, cantávamos sinfonias com ardor. Fizemos dos nossos sonhos plantas imorredouras, costuramos os dias com a linha do horizonte, equilibrando a ilusão, num ponto eqüidistante, e nesse espaço itinerante, nossos já desfigurados semblantes, no orvalho da lonjura, são meros figurantes desse outono infinito.

Então vesti meu vestido mais bonito, aquele de cor encarnada, bordado de esperança, busquei um ponto do céu, enrolei num pedacinho de papel, salpiquei a doçura do mel e enviei no vento, vaticinei em solfejo: quando contemplares as estrelas, taciturno, ou em enlevo, aquela que se destaca entre todas, a mais brilhante, com total vicejo, sou eu lhe mandando um beijo. Inda diante do peso do que longe vai, do que tão longe está, a alma pesa como a luz, pensamento transfigurado, deixo teu sorriso guardado, calcinado, na caixinha do meu coração. Tento subverter os sonhos que me circundam, carrego-os com passos lentos, entre gestos e rituais, esses pequenos sinais, dilemas, que inevitavelmente terminam em poemas.

Quem me acompanha? Chet Baker, Autumn in New York... Vamos sentir!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

As malvadezas dessa vida…*

O gordinho mais querido


Esse é o gordinho Naná, meu melhor amigo. Desde 2000, quando voltei ao Recife, esbarramos um no outro e a amizade surgiu como um jardim sem dono. Quando fui morar no Poço, nossas idéias se combinaram. Torcemos pelo mesmo clube, o Santa Cruz, gostamos de coisas parecidas, de ações com a comunidade, adoramos o mesmo boteco, o de Seu Vital. Moramos na mesma rua, a Visconde de Araguaya, ao lado da igreja.

Naná sempre está de Komby. É seu ganha pão. Vive levando gente. Um dia, resolveu levar a criançada para a escola, e virou um belo projeto, que envolveu toda a comunidade. Tenho mais horas nos bancos daquela Komby do que muito motorista do Recife. É um privilégio ser amigo de Naná.

Muitas vezes tenho uma idéia, e quando vou falar, ele diz:

“Bicho, estou com uma idéia…”

É a mesma.

Quando morava no Poço, cansei de receber almoço pela janela. Perdi a conta dos cafés da manhã juntos, depois de levarmos a meninada ao Nilo Pereira, fazendo adivinhação e cantando a música do “Arubu tá com fome”, invenção de Maraí.

Naná tem uma pedagogia própria, que é a minha há muitos anos. A “Pedagogia da Cola”. Se um menino dá trabalho, ao invés de dar carões e coisas do tipo, ele acha que é preciso “colar”. Conversar, escutar, dar atenção. Sempre deu certo.

Nos falamos religiosamente todos os dias por telefone. Só para escutar a voz do outro. Quando ele liga, sempre respondo:

“Diz aí, Montanha, qual é a tua?”

Ele diz onde está e pergunta qual é a minha.

Sim, eu só o chamo de Montanha, desde que nos conhecemos. Ele parece mesmo uma montanha de coisas boas, de carinho, cuidado. Por onde passa, Naná deixa alegria e saudades. Uma das pessoas mais generosas que conheço. É sempre ele que chega e diz que alguém está precisando de ajuda. É sempre ele quem vê o lado bom das coisas.

Certa vez, Naná teve um grande acidente, ficou entre a vida e a morte, internado vários meses na Restauração. Foi um milagre ter sobrevivido. Uma vez ele me contou. Teresa, sua esposa, pensou que ele não escaparia.

“Depois disso, bicho, eu vivo cada dia como se fosse o último. Não tenho mais tempo de ficar pensando em coisa ruim. A vida é boa demais para a gente reclamar”.

Ontem de madrugada, roubaram a Komby do meu querido amigo. Essas malvadezas da vida. Se o ladrão conhecesse Naná, iria devolver na próxima madrugada, com um bilhetinho pedindo desculpas. Como disse há pouco meu amigo Magro Valadares, que já fez matéria com Naná, “podiam roubar a Komby de todo mundo nessa cidade, menos a de Naná”.

Todos estamos mobilizados, divulgando (a placa é KGZ 3021), mas vai ser difícil. Levaram o veículo que estava estacionado numa ruela do Poço, defronte à casa dele. Tudo indica ter sido encomendada. Uma malvadeza encomendada.

Peço ajuda aos meus leitores. Até se aprumar, Naná vai ficar um tempo sem trabalho, e precisa tocar a vida. A coisa mais triste da vida é ver aquele gordinho sem aquele largo sorriso. Dói no coração. Eu mesmo vou fazer tudo para ajudá-lo. Se eu tivesse dinheiro nesta vida, o que eu faria mesmo era dar uma Komby novinha para ele, hoje mesmo.

Quem puder dar uma pequena ajuda, vai a conta:

Evaldo Gomes de Moura

Banco Itaú

Conta Poupança 22907-0

Agência 1594

Andréa Ferraz e Marcelo Barreto estão fazendo um documentário com Naná. Tinham parado, por falta de tempo. Tomara que agora retomem. Naná merece.

Agradeço muito a quem ajudar.

PS. Quem quiser ajudar de outra forma, sem ser com dinheiro na conta, pode ligar para ele – 8773.3934. Ele vai abrir um largo sorriso, garanto.


*Texto copiado daqui:


Pessoas como o Naná, é que mudam o mundo e deixam a vida mais humana, e as pessoas mais humanizadas. Qualquer ajuda é bem vinda, sempre! Obrigada!

b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...