quarta-feira, 31 de março de 2021

Ditadura nunca mais!

"A memória é a faculdade épica par excellence"

Walter Benjamin

imagem retirada daqui:20190328_ditaduranuncamais_sismmac

Há 57 anos – dia 31 de março de 1964 - o Brasil escrevia uma das mais tristes páginas da nossa história recente, marcada por uma extrema ferocidade.

A ruptura com a legalidade e a democracia, foi instalada no país, com o golpe de 1964 e a ditadura militar um regime brutal e violento.

Os militares estavam acima do povo e das leis, segundo Chiavenato (2014, p. 108) "sem o apoio do povo, o regime militar teve de suspender eleições, fechar o Congresso e desrespeitar o judiciário".

Apoiados pelo capital financeiro externo, pela elite econômica brasileira e os U.S.A., que respaldavam os políticos de direita, os militares foram meros executores do golpe.

O cenário era terrificante, nos primeiros meses, os militares detiveram cerca de "50 mil pessoas, aproximadamente". Empreenderam o que eles chamaram de "operação pente-fino", que consistia em ir de "rua em rua, de casa em casa", buscando "suspeitos, livros, documentos, qualquer coisa que ligasse os acusados ao governo anterior ou à 'subversão". 

Não importavam qual o papel, ou quem era a pessoa detida, mas estes tinham que provar sua inocência, ainda que não fossem culpados de nada. Naqueles idos, raras foram as lideranças "sindicais e estudantis" que "escaparam da repressão", prossegue Chiavenato (idem, p. 183).

Após a renúncia do presidente Jânio Quadros, João Goulart (de ascendência açoriana), um político gaúcho, conhecido como Jango, assumiu a presidência em um cenário de grande crise política, econômica e social. Seu governo compreendeu o período de setembro de 1961 a abril de 1964. 

Gestou-se uma grande conspiração em torno do governo de Jango, cujo conciliábulo, dispunha inclusive de financiamento do estrangeiro. Usaram da prática de aliciamento de intelectuais brasileiros e contou com amplo apoio da imprensa nacional entre eles os "Diários Associados" (já extinto), "Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Correio do Povo" (este do Rio Grande do Sul). 

Escritores, jornalistas e redatores também compactuaram com esse triste episódio, consoante Chiavenato (2014. p. 55), "hoje, a divulgação dos nomes desses escritores e jornalistas causariam espanto à desinformada opinião púbica brasileira", o historiador traz uma relação surpreendente dos colaboradores do Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, dirigido pelo General Golbery do Couto e Silva), que era um "núcleo de conspiração golpista com agenda política  própria", e um dos principais órgãos de maquinações contra o governo de Jango.

No rol estão o "poeta Augusto Frederico Schmidt, o jornalista Wilson Figueiredo, as escritoras Raquel de Queiroz e Nélida Piñon" (esta última era secretária do Instituto, na ocasião). Chiavenato (subidem), diz ainda que "o escritor José Rubem Fonseca", era "um dos líderes intelectuais do órgão" e tinha "entre outras tarefas, de autorizar o financiamento de documentários, selecionando cineastas e sugerindo roteiros".

Chiavenato (idem, p. 45) releva que "embora a administração de João Goulart encontre-se entre as mais investigadas na história do país", nenhuma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), encontrou "a existência de um sistema de corrupção instalado em seu âmago".

Qual a acusação então?

Foi taxado de subversivo! Além do que, a simples existência do seu governo incomodava as elites sociais e econômicas. Para o autor, "tornou-se necessário criar um clima ideológico que o apresentasse como subversivo e impatriótico". E assim foi feito, "com métodos científicos e muito dinheiro", continua. O curioso é que Jango, queria implementar as reformas para o capitalismo.

Jango teve como principal marca, "as tentativas de reformas". O Brasil era (e continua a ser), um país de miseráveis, privilegiando eternamente as elites econômicas. Não muito diferente dos anos 60.

O que era a Reforma de Base?

Era um plano de mudança que iria abarcar "quase toda a sociedade". Uma remodelação nas "áreas eleitora, administrativa, tributária, urbana, bancária, cambial, universitária e, certamente mais polêmica, a agrária", concorde Chiavenato (2014. p. 23).

Para Miguel Arraes, segundo Rozowykwiat (2016. p.110), "o golpe militar verificado no Brasil em 64 foi resultado de uma articulação internacional, promovida para assegurar o controle do processo político em países onde se observava uma intensa mobilização popular".

Era o povo acordando ao mesmo tempo em que se organizavam em associações, ligas, havia uma intensa movimentação popular... E isso era inadmissível para os poderosos.

Arraes, "não tinha dúvidas de que a motivação do golpe foi, predominantemente externa, resultando da aliança do capital internacional, das elites econômicas nacionais e dos militares, meros executores da intervenção",  prossegue a jornalista. 

Não há o que se comemorar, no 31 de março, data em que foi instituído golpe de 64 e a ditadura militar no brasil. Ocasião em que muit@s brasileir@s foram torturados, mortos, ou desaparecidos.

A Comissão Nacional da Verdade relatou ao menos 30 tipos de tortura(s), cada uma mais cruel e chocante que a outra. Entre elas, a introdução de baratas vivas, na vagina das mulheres, ratos vivos no ânus.

Os "presos políticos foram expostos aos mais variados tipos de animais, como cachorros, ratos, jacarés, cobras, baratas, que eram lançados contra o torturado ou mesmo introduzidos em alguma parte do seu corpo".

O cenário era aterrorizante em todo o território nacional.

De acordo com Chiavenato (2014. p. 105), "os militares no poder degradaram as regras políticas [...] ao 'perder a identidade', os militares subverteram o conceito de nacionalidade".

A violência e o grotesco "golpe militar em Pernambuco foi cruento".

O então  governador Miguel Arraes, uma das maiores lideranças  políticas desse país (e de ressonância mundial),  um dos mais perseguidos pelo regime, defensor da legalidade e da democracia, sempre resistente à ruptura que se instalava, não se submeteu ao golpe e recusou veementemente a apoiar o regime, condição para que ele permanecesse no cargo.

Naquele último dia de março de 64, havia uma intensa movimentação de militares, muitos armamentos bélicos, nas cercanias  do Palácio do Campo das Princesas (sede do governo de Pernambuco), apontados para a residência oficial.

Informado pelo coronel Dutra de Castilho, que ele estava deposto,  Arraes lhe respondeu:

- "o senhor não tem autoridade para me depor. Sou governador do estado, eleito pelo povo de Pernambuco e somente ele pode me depor. Ou então, o senhor quis dizer que estou preso e isso o senhor pode fazer pela força".

Arraes dizia que "a herança que deixaria para os filhos, seria a dignidade"!

Ditadura nunca mais!

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Brasil, XXXI - XXX - MMXXI


Bibliografia

CHIAVENATO, Júlio José. 2016. O Golpe de 1964 e a Ditadura Militar. São Paulo : Moderna, 2014.

CAVALCANTI, Lailson de Holanda; COLARES, Valda. 2015. Magdalena Arraes: a dama da história. Recife: CEPE Editora.

ROZOWYKWIAT, Tereza. (2016). Arraes. Recife: 2016. CEPE Editora.

Disponível em:<https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/DoRSparaPoliticaNacional/Iniciacao_politica> Acesso em 31.03.2021.

Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_de_Pesquisas_e_Estudos_Sociais#:~:text=O%20Instituto%20de%20Pesquisas%20e,ativamente%20das%20articula%C3%A7%C3%B5es%20que%20culminaram>


Geraldo Vandré, Para dizer que não falei das Flores.


domingo, 28 de março de 2021

o silêncio expressa até o que não se imagina

 "O amor consegue ler o que está escrito na mais remota estrela"

Oscar Wilde em De Profundis. p. 55

imagem: marc chagall


quanto tempo é considerado longo demais 

para que se esqueça uma história que nunca terminou?

mede-se o tempo pelas horas, estações, cores

ou pelos latejos de dor?


quantos hiatos irreparáveis 

podem ser os flagelos

que levaram uma metagaláxia à ruína

pelas mãos invisíveis do silêncio?


o silêncio expressa até o que não se imagina

como se cada palavra não pronunciada

contasse de fatalidades e paradoxos

e envolvesse duas vidas no véu do mistério


um mistério que se supunha desvendar

quando o tempo fosse um bom tempo

para aquela vida dividida contar

e aquele universo estilhaçado 


em fios de universo costurar

e a grande paixão existente em ambas as almas

acalmar

porque dentro daquele pequeno coração 


todas as lembranças do vivido

"fez o deserto florir como uma rosa"

desde que seu riso em festa

anulou a sentença da despedida vivida no passado.

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Zizi Possi, Eu Velejava em Você

quinta-feira, 25 de março de 2021

o nascer de uma flor é como o amanhecer da humanidade inteira

"A luz irrompe onde nenhum sol brilha"

Dylan Thomas em A Mão ao Assinar este Papel. p. 29

vincent van goh: four cut sunflowers, 1887

no princípio era a admiração

depois veio a palavra, os gestos e o  riso

era como se a primavera explodisse a cada verbo pronunciado


brotavam flores nos lugares mais estranhos

nas mais inusitadas paisagens

das escarpas aos pântanos


a estação das floradas se abria com as pálpebras 

a cada desabrochar de um novo dia

e o campo dos sonhos se enchia de girassóis


o nascer de uma flor é como o amanhecer da humanidade inteira

ali se anuncia um tempo de fertilidade

no alvorecer que  irrompe 


no despertar de uma quimera

que ignora os rumores

os rubores do desejo que pulsa e se joga


no precipício íngreme onde o sol nem sempre brilha


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brasil, III - MMXXI

Barbra Streisand em Woman in Love

terça-feira, 23 de março de 2021

a valsa do pôr do sol

"No dia em que 'ocê foi embora
Eu fiquei sentindo saudades do que não foi
Lembrando até do que eu não vivi
Pensando em nós dois"
Lenine &Suzano

imagem: Direitos autorais: www.yamauchifotografia.com.br


de espanto em espanto o tempo acontece(u)
resta o delírio da velhice
a ideia de que a juventude persiste no sentimento
na velha foto amarelada esquecida entre os livros
nas anotações do caderno
linhas inseguras desenhadas para um futuro

de sonho em sonho
resiste a espera vã
aquela incansável que espreita as fímbrias do dia
aspirando que o vento refaça o percurso
e declare que foi uma noite de 40 anos
uma noite só, que guardou dentro dela uma vida inteira


de lembrança em lembrança
o ingênuo coração mergulha nas palavras doces
no convincente discurso de uma saudade fugaz
uma saudade doce, serena
que vez por outra refaz
o (não) vivido e o que se deixou por viver

de desejo em desejo
essa lubricidade incontrolável
faz um voo rasante nos fins de tardes com suas trilhas douradas
resguardando as asas das feridas dos caminhos
de ontem, de hoje e do porvir
porque esse pássaro intrépido ainda ousa dançar 

a valsa do pôr do sol à berma do mar

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Lenine, O Último por do Sol


quinta-feira, 18 de março de 2021

o poeta tem a urgência da vida

"Uma palavra morre
Quando é dita
Dir-se-ia
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia".

Emily Dickinson em Poemas. p. 113

rené  magritte in the human condition, 1933


o trinco, a porta o prego, o pão

podem esperar, mas o poeta não

o poeta tem a urgência da vida

que pulsa em cada poema que explode no papel


o telefone quebrado

o pneu a ser trocado

aquela janela emperrada

que insiste na triste melodia indelicada de um não-madrigal


numa cantilena noturna

dobrando notas enferrujadas como as dobradiças atravancadas 

que não sustentam mais o peso da madeira 

do carvalho envelhecido


que já dão sinais de cansaço

de meta cumprida

tempo vencido

e que (não) alimentam o poeta


porque para o bardo o real infunde

a dor é matéria

a tristeza é o tempero

e a solidão a autopoiesis cobiçada


ah, poetas que se despem

nas palavras

e se deixam enlinhar 

letra a letra sacrificando todas as almas que têm 


quando nasce uma poesia

morre a inspiração do poeta, todavia.

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Olinda, XVIII - III - MMXX

Lenine, É simples assim

sexta-feira, 12 de março de 2021

eu vi o meu coração pulsar dentro dos olhos seus

"Há muitas coisas que eu quero ver.
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo".

 Sofia de Mello Bryner Andresen em Chamo-te porque tudo ainda está no princípio

imagem colhida da internet, desconheço a autoria

eu vi o brilho do mundo dentro dos seus olhos

um reflexo do que me vai alma adentro

aquele clarão ancestral

que andava perdido

escondido nos porões da vida


eu vi o brilho do mundo dentro daquele olhar 

que me persegue diuturnamente

desde que entendi

que a vida resulta das decisões tomadas

ainda no tempo da ingenuidade


eu vi o brilho do mundo naquele retrato amarelado pela passagem cíclica da vida

seus olhos mergulhados nos meus

nossa sintonia 

nossa afinação

e a nossa alegria pubescente


eu me senti viva naquele brilho enverdecido

pedras de jade recriando inflorescências

transformando o percurso natural de todos os reinos da natureza

anulando anos de ausências 

descortinando a essência 


daquele amor cristalizado

guardado à revelia das estações

encetado na juventude

transbordando amiúde

para além da emoção


eu vi o meu coração pulsar dentro dos olhos seus!

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São Luís, XXX - XII - MMXX

Caminhos de Sol, Zizi Possi

b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...