O chão não é só a terra a areia, o pó. O chão é um resultado de histórias vida, nascimento e morte ancestralidade. O chão é base o lugar a segurança. O chão é descanso lugar de paragem plantio, colheita e também devastidão. É deserto e desolação. Às vezes oásis E muita imensidão. O chão é barro pegadas caminhos percorridos outros ainda a percorrer algumas vezes, sepultura. Mas o chão é igualmente molde, modelo flor, vegetação Elemento vital não requer explicação. O espírito, o barro, do barro o eu a resistência a solidão é o chão, o chão! Olinda, XXI - XI - MMXVII
Mas é que o erro das pessoas inteligentes é tão mais grave:
elas têm os argumentos que provam.
Clarice Lispector em Para não esquecer. p. 20
imagem colhida na internet, desconheço o autor
Meu Deus, como somos ingênuos
acerca do amor!
Para muitos de nós parece ser um jogo de loteria, a expectativa de acertar na
próxima jogada, uma distração, uma espécie de tiro ao alvo, onde o objetivo é
acertar na mira.
Repare bem, eu disse jo-ga-da - o amor anda longe disso -. O amor não é um
produto de consumo, tampouco a vitória de um desafio ou qualquer competição...
Muitos de nós colocamos no outro a responsabilidade da nossa alegria, do brilho
no olho, da vontade de criar mundos.
De vivenciar experiências, criar projetos profissionais comuns...
Quanta tolice!
O amor também não é um carnê de um crediário que vamos pagando as parcelas, mês
a mês.
Precisamos refletir sobre a natureza dos encontros... O amor não é uma
"relação social que incide sobre um cálculo de interesse", tampouco
seja o amor uma mercadoria, amor não é consumo. O Amor não é consumo!
Entendeste? Tu entendeste? Amor não é projeto para trazer lucro nesse sistema
capitalista, entendeste?
Amor não é e nem nunca será excesso!
O "Amor não é mercadoria"!
"O Amor não é maquínico", não somos máquinas!
O amor está em quem o sente e não no outro a quem ingenuamente pensamos, ser o
agente provocador desse sentimento.
Não se guarda o sentimento esperando que uma próxima pessoa, uma próxima
relação, a seguinte, a da hora, a do momento,
preencha os nossos vazios, ou ainda, que um ÚNICO ser consiga ter todas as
características que sonhamos num determinado instante da nossa vida.
As pessoas são tão mutáveis.
Como diria Kant, tudo que pode ser comparado, pode ser trocado! Amor não é negócio, o amor não é
lucro de mercado!
O amor
tem muito de espontaneidade, de bem-querer, cumplicidade e cuidado recíprocos.
O amor não é uma partida de xadrez, uma competição ou um jogo de loteria para
você errar ou acertar.
Hilda Hilst em Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor
imagem: arquivo pessoal
A imensidão que era azulada pesa agora chumbo sobre as águas E tempestuosas líquidas de saudades se esparramam Enfurecidas sobre a areia essas atrevidas Gozadoras alheias ao insulamento do mar sequer ouviram seu lamento Beberam tudo insolidárias insolentes e depois de tanto ficaram ali, imóveis na solidão da praia ouvindo a música dos ventos que lhes cantavam uma balada triste. naquela triste noite.
Observe-me Cura essa cegueira de antinomia Fuja desse casulo opressor Sem que percebas Quebrarão todos os seus sonhos. Olha-me de novo Transponha o medo Amedrontado não conseguirás conduzir o barco De que adianta o barco? Se para transpor o Oceano é preciso remar? Ao desejo: mordaça. Ao desejo: a lâmina cortante, o frio e a vela. Mas apesar disso, descansa. Ponha o seu coração dentro do cofre E muda o segredo. Não permitas que o roubem Porque no mundo inteiro Em todo o mundo, existe perigo. Sabe o seu casaco de couro E o seu chapéu panamá? Os vi fugindo Queriam lançar-se dos penhascos. Eles também sentem desejos de arriscar. Olinda, IV - IX - MMXVII Beth Hart & Joe Bonamassa
"Realmente
não me importa ter que, um dia, começar tudo de novo.
Estou me
complementando aqui, eu acho, e depois não sei.
Acho que a gente deve
procurar viver o presente". Caio Fernando Abreu in Cartas
imagem: Ismael Nery
Por dentro acontece um turbilhão, milhões de sensações novas, antigas, renascidas das vísceras - quase calcificadas, de tanto desistir de ser, por compreender a desnecessidade da exposição -, causadas pelo inesperado de um cataclisma.
Por fora uma aparente tranquilidade, já que exteriorizar o alarde interior não altera o curso de nada. Procede recorrer à uma pergunta banal: como pode caber dentro de alguém um sentimento maior que o mundo? Uma medida que não atende à nenhuma lógica matemática?
Mas existe, intangível e inexplicável, talvez uma grande ingenuidade, um devaneio aos olhos de quem não consegue ser a pessoa que aparentemente se apresenta, ou que desperta em outrem uma ilusão, que desorganiza calculadamente uma forma de existir, especialmente porque não passa de um engodo, uma falcatrua emocional.
É fácil perder-se, mas é do mesmo modo possível reencontrar-se, reencantar-se, posto que é uma qualidade que existe dentro do ser, que - à revelia da vontade, da cobardia de muitos aventureiros com a emoção alheia -, sobrevive e aprende com os próprios equívocos.
Ser prisioneiro de si é tão penoso e fatal quanto ser prisioneiro de alguém, o que se constrói nessa zona de dependência? Uma indagação para a qual nem sempre se têm resposta. Há sempre mais do que se sabe, do que se diz, nesse grande e inextinguível mistério, a que alguns chamam sentimento, paixão, amor; para alguns aprisiona; para outros, liberta. O ideal seria, repara bem, eu disse ideal, não o possível - existe uma grande distância entre um e outro -, ausentar-se de si, sair de dentro de si, enxergar-se de fora, e observar cada gesto, cada atitude, como quando se olha e atenta para outra pessoa qualquer, e aplicar as sugestões que certamente daria aquele que estaria fazendo, vivendo situação semelhante à sua.
O difícil é conseguir.
Falar, criticar, julgar, condenar, é suave e vulgar para quem o faz; mas custoso e penoso para quem é o alvo da censura. Todo mundo é um pouco vítima, de si e dos outros.
Pequenas ondas, uma após a outra, bordavam finas rendas de espumas.
As falésias cresciam atrás de mim.
Acima das falésias cresciam os cactos,
como altas catedrais de espinhos,
e para além deles o rápido incêndio do céu.
José Eduardo Agualusa em A Sociedade dos Sonhadores Involuntários. p.9
fotos tiradas com meu cellphone
Fui hoje (20.07.2017) ao lançamento do novo livro do escritor angolano, José E. Agualusa "A Sociedade dos Sonhadores Involuntários", que me parece bem interessante. Apreciei o bate-papo que ele teve com todos, lhe fiz uma pergunta e ele respondeu, tive assim minha curiosidade satisfeita.
Saí de lá pensativa, sem vontade de muita conversa, chove muito em Olinda, as ruas estão um pouco escuras, desertas e encharcadas, oferecendo belos cenários.
Então, fiquei parada ali na praça da prefeitura, silenciosa e absorta.
Depois despertei dessa quietude e fotografei as ruas molhadas, a chuva que escorria pelas passagens, as gotas que caíam sobre os paralelepípedos, sem me importar com o fato de ficar ensopada por esse gesto e estar correndo riscos.
Senti necessidade de receber essa água que caía do céu. Elevei a cabeça e de olhos fechados, fiz uma prece pungente: para o tempo passar logo!
Foi bom misturar o sal das lágrimas com o sabor da água da chuva.
Quantas vozes e barulhos internos, meu Deus!
Entrei no carro e fiquei observando o silêncio do local, enquanto meu coração retumbava sentimentos.
A pipa no ar e o peixe no mar, em algum momento terão em comum a linha: a primeira, do horizonte, aquele lugar tão distante onde só o sonho alcança; o segundo, do anzol que, quase sempre é morte certa e lenta.
Também nós algumas vezes a linha que nos sustenta pode nos levar além ou ao fenecimento.
É uma questão de escolha.
Entre o equilíbrio e o desequilíbrio existe também um fio, que pode ser bambo, até que se encontre o tempo certo, o ritmo da passada e a respiração, para percorrê-lo com harmonia e firmeza.
Assim como em algumas circunstâncias, por obra do acaso (?) caminha-se no fio cortante da navalha que afiada, corta a carne.
Tudo na vida é um fio, prestes a se romper, a estrangular ou a cerzir a qualquer momento.
Façamos a melhor seleção possível.
Olinda, XXX - IV - MMXVII George Michael, One More Try,
Há momentos em que a única oração que conseguimos fazer é chorar.
Um choro sentido, daqueles que doem até o mais profundo do nosso ser.
Daqueles em que não pensamos em nada, não disfarçamos nada, apenas choramos na tentativa de desafogar o coração.
Choramos porque perdemos.
Choramos porque não conseguimos superar as dificuldades.
Algumas tão maiores que as nossas pobres quimeras.
Choramos por termos tanta humanidade e não conseguirmos ultrapassar as barreiras que se interpõem diante de nós. Diante de tudo que desejamos realizar, viver e não conseguimos.
E então esse choro represado liberta em cada lágrima, a dor que machuca o coração.
Aquele choro que estava guardado, sem tempo para desaguar.
Porque a vida anda tão exigente, que chorar passa a ser um luxo.
Choramos a perda de um amor, a privação de um sonho que acalantamos anos, dentro do peito.
Choramos por um projeto que se extravia por não sabermos como executá-lo.
Aí só resta deixar o tempo curar a ferida, olhar para a frente, seguir o caminho escuro da frustração e aprender a recomeçar.
Compreender os sinais vitais, namaha! Olinda, VIII - V - MMXVII
"Dorme comigo acordado e só assim poderás saber de meu sono grande
e saberás o que é o deserto vivo."
Clarice Lispector em A Paixão segundo G.H.
o sonho de malinche - antonio ruiz
Parece ser da natureza humana planejar, organizar um futuro que a priori não existe. Porvirá (?). Vivemos como se não fôssemos finitos (materialmente). Vivemos com a eternidade em nós. Vivemos como se dominássemos o tempo.
Nosso mundo é esse instante! Um movimento que nos envolve e arrasta, algumas vezes, i-n-e-s-p-e-r-a-d-a-m-e-n-t-e, como uma onda que nos engole sem avisar. Somos o instante, ancorado no passado. Só temos o agora. E apenas enquanto o vivemos. Pois tão logo acontecido, foi, passou, ficou para trás, se torna pretérito. Reflito então que somos sistematicamente a lembrança de ontem e a espera de hoje. Nos equilibramos nessa ilusão, nesse fio invisível que tece uma complexa engrenagem, nem sempre compreensível e explicável. Somos subalternos ao tempo, com ele está a soberania. O comandante da história. Tudo é transitório, estamos aqui de passagem, somos ao mesmo tempo as partes e o todo de um mecanismo abstruso. Tudo flui e nada permanece, tudo dá forma e nada permanece fixo. A todo sempre, somos sempre o devir.
Tudo é construído alicerçado em sonhos e fantasias, concretamente o que temos são os planos e as incertezas, até que se se prove em contrário, pois até que aconteçam, não os temos experimentados, gozados, vividos, eles não existem. Mesmo depois de vividos eles também se tornam memórias. Nem sempre são táteis. (r)Existiram. A vida e o sonho compõem as páginas de um mesmo livro. Essa leitura continuada que fazemos dele, é o que se chama vida real. E por isso mesmo tão chocante. A realidade (?) é espantosa!
Retenho ainda o sabor encorpado daquele primeiro café que, lá atrás no tempo, entre um gole e outro nos permitíamos sonhar com o futuro.
E eram tantos devaneios e tantas as risadas. Ria-se de qualquer asneira.
Parece que a paixão não dá conta de fazer triagens sobre o que se fala. Se fala tanto.
O tempo passou e fomos nos enredando em teias que impediam o abeiramento.
Perdemos a capacidade de fluir com os movimentos.
Como aqueles primievos, que espontâneos não contabilizavam mágoas.
O tempo passou tão de repente.
E trouxe a conta das oportunidades perdidas, do sentimento engaiolado, do abraço engessado, do beijo que se esqueceu de acontecer.
Sacudiu no vento olhares perdidos em direção ao nada.
Nossos olhos emudeceram, nunca mais disseram nada.
Nossos lábios foram congelados num rito de tristeza, nunca mais se abriram para nada.
E quando por alguma brecha fortuita, fazia-se bom tempo, um sino repicado ao longe quebrava uma tentativa de reconexão.
A sensibilidade de outrora deu lugar às palavras ríspidas e a indiferença.
Quando aquela orquídea morreu, senti um calafrio, foi um mau presságio. Foi como um aviso de que nunca mais elas enfeitariam a nossa mesa do jantar.
Tudo vai morrendo. Tudo tem um limite.
Admiro como livros encaixados, sonhos empilhados se integraram na paisagem de desalento.
Agora que o encantamento morreu e o dia acabou, quando nos recostamos para descansar o corpo e o espírito, é que percebemos que, o "nunca mais seremos nós", atravessa o nosso peito como uma lâmina afiada, de maneira lancinante.
Agora seremos sós.
Agora é tarde, agora é um tempo sem volta.
A compreensão da ausência traz padecimento.
Assim como a consciência da perda nos faz atravessar desertos de solidões.
O tempo agora é de nostalgia, até do não vivido.
Cada dia doravante terá seu componente de tristeza, até findar o embotamento.
E ali naquele empório, impessoal, cercado de pessoas, numa tarde indiferente e fria de abril, sentados à mesa, não nos dissemos nada. Mergulhamos cada um em nossos porquês e entre um suspiro e outro, cheios de cansaços e tantas tentativas, não nos dissemos nada.
Só tivemos tempo para o último café da nossa história.