terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O Mantra de Penélope

"A antiguidade das coisas está no desejo de as esquecermos".
Mia Couto in Venenos de Deus  Remédios do Diabo. p. 179-180

imagem: leonor fini

E então Penélope, renascida - não uma Fênix, tampouco Eva, era mais ancestral, era muito tempo antes - Lilith, das cinzas de uma explosão, delirava perdida entre sonho & realidade; no limbo da sanidade e da loucura, já não sabia mais se era Ulisses quem habitava as suas entranhas, ou se era um outro corpo qualquer, fruto da sua perturbação; se um personagem novo; ou, em Pedro convertido. E entre o sim o não vagava imensidões e neblinas, e todas as noites antes de dormir, como um mantra murmurava, quase inaudível, sob o chuveiro:

que essa água que lava o meu corpo
leve em enxurrada
todo o sentimento

que o tremor do desejo
deságue diluído nas gotas
que escorrem no corpo

que a cobiça de tê-lo
esmoreça a cada pensamento
e feneça ali mesmo naquela torrente

confluências & confusões
ora enchente
borbotões

que eu desconheça a saudade
esse bicho
tão feroz que me invade

que eu seja em mim urgente
que brotem outras sementes
flores, frutos, contentamentos

que ele seja outra vez
alheamento envolto
no véu do esquecimento!

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E o Filipe Campos Melo, sempre generoso, significa minha acanhada escrita assim:

A palavra desagua sobre a palavra
Como destino esquecido que remanesce
Como desatino que nos leva ao esquecimento

"que o tremor do desejo
deságue diluído nas gotas
que escorrem no corpo"

É urgente
É premente
O verso que o invoca

Olinda - XIII - II - MMXIII

são miles davis, rogai por nós: embraceable you



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

a mulher & o homem mediados pela mentira

"[...] o meu medo era agora diferente: 
não o medo de quem ainda vai entrar, 
mas o medo tão mais largo de quem já entrou".

nude woman - ismael nery

o perigo nasceu com o homem
o desejo com a mulher
o fogo e o poder

um vive para mentir

outro mente para viver
e brotam mais sementes

na mentira aquele faz o mundo

esta mente para não ser
aniquilada por ele

o primeiro vive em estado inescrutável

a segunda pó amalgamado
e do barro amassado

nascem as formas

uni-verso em movimento
im(re)plicação

ele eterno previsível

ela busca um silêncio impenetrável
quase se comple(men)tam

nesse jogo & ilusão

para quem ama depressa
basta um grito

e nasce o absurdo!


olinda, xx- i - mmxiii


fagner canta, conflito



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

para um amor "mardi gras"

"citar é citar-se"
infront of picture - marc chagall

I
não choveu, do céu 
não caiu nem uma gotícula d´água
(mas meus olhos viraram cachoeira)


e a terça-feira de carnaval se foi
sem olhar para trás
sem ruas lavadas

sem roupas molhadas
nem acerto de contas
promessas de eternidade e amores fiéis

esses amores "mardi gras"
dezenas de encontros
entre outras dezenas mais de desencontros

II
se foi também a história que não tivemos
e a sua sentença
de morrer em mim

me deste as costas
dobraste as esquinas
(dos meus seios)

e nunca mais lhe vi
levaste nosso não-amor
fábula ‘natimorta’

rascunho de uma narrativa
que não foi
não vingou

III
com um riso irônico
e um gesto lacônico
dedo em riste negando

voz suave murmurando
prenúncio da quaresma
o gosto da derrota se firmando

ieshua amparando
como um pedro moderno
me negaste três vezes!

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Olinda - XIII - II - MMXIII


* para quem quiser fazer o download do livro (que eu super recomendo a leitura, e sou super suspeita, porque sou super fã do Cortázar).

françoise hardy canta,  la verité des choses

b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...