terça-feira, 18 de novembro de 2014

As dentadas da vida

"O presente permanece presente, 
de modo que a única coisa que nos autoriza a afirmar que o tempo é, 
é que ele não cessa de se manter".
André Comte-Sponville in A felicidade desesperadamente. p. 93

morning - edvard munch

A  cartilha que rege o mundo arreganha suas páginas e rosna com seus dentes afiados (como um cão) amedrontando e ameaçando.  Entretanto, com minha natureza desafiadora e desafinadora, observo o mundo e retorço cada rosnado a mim dirigido; desafino os latidos; rasgo as páginas e rabisco sobre a escrita, outras escritas mais suaves, mais risonhas; outros desenhos mais azuis, ainda que no interstício desse ris(c)o, a vida com sua boca gulosa de engolir o mundo e estraçalhar emoções, num descuido do riso, tenha me dado suas dentadas de cão raivoso. Mas ágil que sou, desvio-me com a mesma rapidez da mordida. Para cada abocanhada, um antídoto; não faltam entre eles a música, muita música, especialmente jazz - quanto mais jazz melhor - minhas leituras aos montes, me perco de caso pensado nas livrarias & bibliotecas, dentro dos labirintos e corredores -  e como a leitura me restabelece de qualquer moléstia...
Me esbaldo na vida, sacudo todo o empertigado da mordedura e solto o corpo em pleno êxtase da sintonia, dos compassos (com meus descompassados passos, mas feliz pelo movimento); e arremato com uma alegria inexplicável.
Não há maldição ou raiva que perdure.
Então com redobrada força e atenção, sigo até a próxima curva.
E surpreendo-me com tudo outra vez.
Viver é o maior e mais agradável espanto do mundo.

Olinda, um dia qualquer de MMXIII

Genesis, The Cinema Show

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

ontem eu lhe vi de passagem

"Mas, cedo descobri a incompetência:
eu era um argonauta e em teus sentidos
navegava vestido de imprudência".
Carlos Pena Filho in  Tentativa para os Cinco Sentidos. p. 111

 imagem: leonor fini

ontem eu lhe vi, assim de passagem
a mesma camisa de xadrez azul e branco
aberta, peito à mostra
e o cavanhaque grisalho
aquele por aparar

ontem eu lhe vi, mas foi só de passagem

e foi o suficiente
nessa passagem revi tudo o que vivemos
e o não vivido também 
saí correndo

não quis perscrutar mais

e abafei os sentidos
estrangulei o momento
segui adiante passos firmes, confiantes
o percebido naquele ínfimo instante

que estamos todos aqui apenas de passagem

mas ontem eu lhe vi
naquele flagrante em que me olhaste
e eu não quis lhe ver mais
aquele vulto que embaçou sua janela
fui eu passando no tempo

Olinda, I - II - MMXIV

Miles Davis, I Fall in Love Too Easily

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

os meandros invisíveis de um lápis deletável

"Olhando de perto, um sonho não é uma coisa sem perigo".
William Faulkner

   『神奈川沖浪裏』 - Katushika Hokusai
   Kanagawa oki nami ura - The Great Wave off Kanagawa

somos tão iguais
nos diferentes anseios
em busca do mesmo sonho
nos distintos traçados
dos meandros invisíveis de um lápis deletável

somos tão iguais, mas tão iguais
que somos diferentes
na tecitura do tapete
na urdidura do desenho
dos meandros invisíveis de um lápis deletável

somos sóis
somos sós
somos gotas
somos sal
líquido cristal

fios de seda no bordado
adornado de luz e luar
em uma noite espetacular
pintada no quinto quadro
ainda por terminar

na trama da figura
na filigrana da gravura
nos blues vivido
nas quatro doses de uísque
nos meandros invisíveis de um lápis deletável

um oceano a desbravar
reflexos para contornar
desejamentos incontidos
murmurados entre lábios
entre dedos

nos meandros invisíveis de um lápis deletável!

Vacas Roxas, Phetus

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Olinda, II - III - MMXIV



domingo, 6 de julho de 2014

O amor é um caco de vidro

- O olho, disse o cego, é simples circunstância do real.
Everardo Norões in Entre Moscas. p. 47

imagem: Rafal Olbinski

Todos os seres humanos buscam uma magia, algo que os encante perante a crueza da realidade. Revestem o coração de fé e de coragem, e se jogam, e se quebram, se contorcem e se refazem. E o mundo gira, cambaleia, entontece. Então reagem, reacendem, tentam se impregnar com a canção interior, a canção essencial, delicada, frágil e necessariamente vital. 
Mas notas escritas a quatro mãos reclamam um mesmo ritmo, a mesma harmonia e a mesma disposição.
Nem tudo é como se sonha, nem tudo acontece como se planeja. Em alguns momentos a vida responde de maneira abrupta, como um caco de vidro que corta o pé a faz sangrar. Enquanto a dor não passa, não se pode pisar o chão com o  pé  ferido. 
A vida magoa. Viver não é uma fábula onde se conhece o enredo, com um final seguro. Viver dói. Love hurts. Sim. O amor dói. Amar fragiliza e expõe e fortalece, contraditoriamente. E em alguns momentos é solitário e banal, silencioso e quase desnecessário. 
Quase, porque a vida sem amor é deserto sem fim. 

Recife (23:30h) - XX - VI - MMXIV

América, A Horse With No Name

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Viver é coisa de profissional

"Mesmo que não se tenha a mais pequena sensibilidade às diferenças individuais,
a pessoa contudo trata os outros com a sua maneira própria."
Franz Kafka in Diário (07 Ago 1914)
 imagem: arquivo pessoal

Viver não é coisa de amador, exige grande esforço e sabedoria. 
Não é matéria fácil administrar fragilidades, inseguranças e humores, os nossos e os alheios. Requer disponibilidade para o (in)fortuito, para a adversidade, e todo o inexorável da vida. 

"Coragem e covardia é um jogo que se joga a cada instante", e não é exterior ao humano. 

A distração em algumas situações é a liberdade; noutras, a prisão. A palavra inaudita, engolida, nem sempre é a melhor saída. O silêncio disfarçado de polidez é tão fatal quanto uma grosseria proferida. O que não se diz, pode algumas vezes chegar como se tivessem magoado uma ferida, e até estancar o sangue do equívoco... Que eternidade é a aprendizagem!

Medir o sentimento e a subjetividade alheia é perigoso, é como um texto mal traduzido. Nem tudo é "visível a olho nu".

Viver é coisa de profissional, não tem espaço para ensaio. É o eterno devir do desacerto & organização; da fé & compreensão; da fraqueza & obstinação. Existir demanda bravura, desassombro e *uma dosagem de candura*!

*Contribuição do meu amigo Rogério Robalinho. Grata! ;))


Recife, VIII - V - MMXIV

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Joe Bonamassa - Stop!


quarta-feira, 5 de março de 2014

o que importa o amanhã?

"Naturalmente as árvores em flor
e as borboletas voando amarelas
parecem hoje as mesmas de outros tempos:
como se o tempo não tocasse nelas".
Herman Hesse em Sol de Março. p. 219, da Antologia Poética, Andares

imagem: Katushika Hokusai

o que importa o amanhã
se nos temos agora
de quantos amanhãs se vive esse hoje
que distende e expande
uma contagem inversa de tempo

no reverso de um sentimento
que nasceu nas curvas inesperadas
de um passado
que reverbera
na linha do tempo

o que importa o amanhã
se todo o hoje existe
e insiste em ser apenas esse presente
a cada amanhecer
que transgride outro tempo

que redesenha o momento
que tateia em tela
aquela imagem bela
amparada pelo olhar
que contorna o floreio do riso da tua boca

que me planta loucos desejos de ir mais além
o que importa o amanhã
o que importa o tempo
o que importa o agora
se pelas mãos do inexorável se faz a hora

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Olinda, III - III - MMXIV

Lailson Blusbroders, Nesta Cidade

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

"teu corpo meu diário"


"Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago"

imagem: Roberto Lúcio de Oliveira

é na carne que te inscrevo versos
livre de vestes
despudorada
à mostra tua cálida flor

esse altar sagrado
reluzente
esplendor
minha vontade azáfama

minha pressa  de vida
pulsão presente
minha urgência de eternidade
minha pungente ambição

- chama acesa nos gemidos -
cobiça tracejada na carne
lava incandescente, pelve em brasa
vermelho fogo calor de vulcão

pele contra pele
- resvalando por entre pernas as nossas mãos -
olhos reluzentes em anoitecidos clarões
nossa escrita efeméride, doce insanidade

apago com a saliva e reescrevo rasuras
- voragem e precipício -
minha fome de mundo
o diário da nossa paixão!

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Olinda - XIX - IV - MMXIII

Maria Bethânia, Mensagem



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

nunca mais aquela noite terminou

"é só porque me chamo 'eu'. Isso é tudo que você sabe sobre mim,
 mas é suficiente para que possa sentir-se levado a investir
 parte de si próprio neste eu desconhecido"
Italo Calvino em Se Um Viajante Numa Noite de Inverno. p.22

imagem: L. B. Vicente

uma promessa incumprida
no ardor de uma combustão
encontrou na noite vadia
naquela via em contramão

o avesso da sua fome
o outro lado da ilusão
seu eu no outro eu
o sonho na palma da mão

e diante do esplendor
de um momento inusitado
naquele jardim encantado
em que o mágico a encontrou

ficou do passado esquecida
sequer o futuro questionou
naquele presente infinito
refugiou-se nas horas fantásticas

e nunca mais aquela noite terminou!

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Olinda, XXIII - I - MMXIV

Zelia Duncan, Tudo sobre você

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

exaurida

"E respeito muito o que eu me aconteço. 
Minha essência é inconsciente de si própria 
e é por isso que cegamente me obedeço".
Clarice Lispector in Água Viva. p. 29

henry fuseli (Johann Heinrich Füssli) - pesadelo

Volto no tempo e nos lugares em que fomos felizes, e nada resta, a não ser os vultos, os espectros daquilo que fomos, e os vãos, os buracos, os espaços vazios de tudo que um dia fomos e sonhamos, só abismo, só silêncio, só silêncio e morte.

Me ultrapassei nesse sentimento, fui além de mim, além de onde eu deveria ir. Mas como saber onde parar, se perdi a noção de medidas? Não tenho mais para onde ir.

Ligo o rádio porque não quero me escutar, prefiro ouvir qualquer outro  barulho, qualquer  coisa me afaste de você, que me leve para bem distante de tudo o que sinto. Que me esvazie que me esprema e que transforme vísceras e sangue, em vento ou nuvem, e carregue para bem distante daqui.

Não quero mais os espasmos do mundo; não quero mais nem antes, nem depois; não sei bem o que sou ou o que sinto agora. Tudo é contradição, ora fogo, ora solidão; ora dor, ora emoção. Coisas que não sei dizer.

Estou exaurida. Estou esgotada. Quero dormir e acordar daqui a dois mil anos.

Olinda, XXXI - I - MMXIV

Miles Davis, Tenderly

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

da ausência

"As emoções mais fortes são as que, 
nos tomam de surpresa e têm uma duração curta, 
pois essas emoções são um anúncio da eternidade inevitável do ser humano".
L.B.Vicente

imagem colhida na internet

A maior tristeza da paixão é a ausência do ser amado. Estar perto é uma exigência do sentimento. E quando isso não é possível, há uma permanência dolorosa da distância. Amar não deveria rimar com chorar. Choro não é compatível com esse afeto.

O aparente alheamento, a notória e vulgar incompreensão da sozinhez dos apaixonados - pelos demais do entorno -, como uma atitude de isolamento e reflexão, não é uma ato de extrema solidão, mas uma necessidade de proteção da afeição, da lembrança, da memória, da atmosfera onírica, lúdica da chama que existe/ia; é uma forma de proteger o regozijo pelo qual se foi arrebatado, a preservação do que era um mundo, do que era a cumplicidade entre dois seres que se amaram tanto, e que por algum imponderável, por um imprevisto do desavisado destino, há uma separação, e não permite a continuidade daquilo que não foi planejado e aconteceu. "As coisas simples podem-se alterar drasticamente e quando menos esperamos".

A sua ausência é tão real que eu chego a tocar na falta que você me faz; materializa-se o vazio da nossa distância, nem mesmo esse galope tão acelerado, desmesurado, consegue alcançar o seu sorriso do outro lado.
E como as horas passam à revelia dos sentidos, refugio-me entre as páginas dos livros, guardando-me e aos meus sentimentos, do barulho do mundo. És tão dentro de mim!

Olinda, XXVIII - I - MMXIV

Djavan, Esquinas

domingo, 26 de janeiro de 2014

o tempo

"Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo"...

céu de Olinda ao entardecer

A  Praça do Carmo fervilhava de gente, no palco um jogo de luzes, fumaça e imagens a partir das sombras. Eu assistia ao show do Jards Macalé - em seguida viria Gilberto Gil -. e enquanto a música rolava lá fora, um rebuliço acontecia no peito. Fiz uma retrospectiva do tempo guardado dentro de mim, a memória trazendo um pretérito hoje tão perfeito. Uma explosão silenciosa, aquele misto de alegrias, dores, lembranças & saudades.
O tempo e suas tempestades; o tempo e suas temperaturas; o tempo e seus (des)acontecimentos; o tempo e suas farsas; o tempo e suas farpas; o tempo e seus desafios; o tempo e seus desertos; o tempo e suas imensidões; o tempo e seus cheiros; o tempo e suas falhas; o tempo e suas fagulhas;  o tempo e a vida que pulsa e brota; o tempo e seus obstáculos; o tempo e a (im)paciência; o tempo e suas vontades. O tempo senhor de tudo. Que me deu tanto, que me tirou tanto (que me doeu tanto).
Já não é mais cedo, mas é possível.

Deslumbro-me com o show e o espetáculo da vida que segue, sem levar em consideração minha humanidade e minhas vertigens vividas, que sigo junto, com tantos encontros & desencontros, muitas chegadas & partidas!


Jards Macalé - Pontos de Luz

domingo, 19 de janeiro de 2014

ulisses & penélope

"Com sua disciplina indisciplinada, os amantes são seres diferentese o ser diferente é excluído porque vira desafio, ameaça.
        Se o amor na sua doação absoluta os faz mais frágeis, 
ao mesmo tempo os protege como uma armadura".
Lygia Fagundes Telles 

imagem: antónio domingues

Penélope via em Ulisses a personificação de todos os seus desejos, da humanidade à magia do improvável. A vida tinha um sabor nunca antes experimentado. Amava-o, ao mesmo tempo em que era apaixonada por ele, entre gozo e provocações lhe confessava:
- a paixão é ampla, mas pode ser por um autor, por uma imagem, por um livro, uma poesia, uma viagem... e até por alguém, mas não necessariamente por alguém como imagem, mas alguém como ser que deslumbra pelo todo, pela totalidade. 
 Ao que Ulisses respondia:
- Íbis, minha Íbis.Todos nós, sem excepção, buscamos incessantemente  o amor e a paixão e somos  engolidos constantemente pela sofreguidão de sermos amados, todavia temos receio da insegurança de amar. Deixa-nos de rastos. Fragiliza-nos o medo do desconhecido.
- O que mais me dói é saber que eu e você nunca seremos nós.  Oh tristeza...
Penélope sangrava, quando a ironia se estabelecia entre ambos, doía mais que as impossibilidades que os afastavam. E quando Ulisses percebia aquela tempestade de tristeza nos olhos dela, suavizava e dizia-lhe o que ela queria ouvir:
- Ontem, vá lá saber porquê, sonhei com os espaços abertos, com os lençóis de água... e voava; depois sonhei q fotografava os trabalhadores da cana do açúcar, na sua labuta amarga alternando entre o Ansel Adams e o Sebastião Salgado. Sabes interpretar sonhos?
Ansioso pelo próximo eclipse, mando-te mil beijos.
Já restabelecida da moléstia que adoecia seu coração, Penélope flutuava entre o limbo e o portal daquela janela que os aproximavam, e caía outra vez em seus abraços, de olhos fechados, voz macia e pausada, pronunciando todos os "enes" e "agás", misturava-se ao sotaque que só o amor conhece, desconsiderava as ausências necessárias, se existiam, tinham sua razão de ser.
Com o brilho nos olhos e a boca incontida em riso dizia ao amado:
- Eu tenho uns gostos diferentes, daí cada um ser único em seu jeito, em sua forma, em seu íntimo. Mas antes: oi, bom dia, acordaste bem? Andam estranhando o seu estranhamento - aquilo que parecia uma conversa sem pés nem cabeças, para eles não careciam explicações, o diálogo foi construído no entranhamento, na ancestralidade, conheceram-se antes de nascer o mundo - (?)
Por aqui cada um carrega um ponto de interrogação no olhar, aproximam-se com a mesma velocidade com que se afastam, guardam uma ambiguidade comportamental, porque dizem que ando também ambígua, achas isso, "bêibi"? 
Mamãe disse que isso tem um nome, e dizia o seu.
(E fiquei pensando cá com meus botões: as mães sabem das coisas).

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São Luís,  IX- I - MMXI

Gustavo Santaolalla, De Usuahia a la Quiasca
 

domingo, 12 de janeiro de 2014

faz de conta

"A barca que eu vi fugir
Era uma ilusão perdida,
Uma dor a mais na vida,
Na vida do meu sentir.
Era uma esperança perdida
Que ia sem se despedir".
Manuel Laranjeira (neto) in Miragem, do livro, em prosa e verso. p. 142

boats in rapallo, italy - wassily kandinsky

e segue adiante aquele pacto mudo
silencioso
sem argumentos ou barganhas
aquele fingimento
aquele pranto escondido
aquele faz de conta
faz de conta que ninguém existe
faz de conta que o mundo acabou

faz de conta que não se sabe de hoje
faz de conta que o passado não importa
faz de conta que não houve excesso
faz de conta que tudo mudou
que a saudade desistiu
faz de conta que o barco partiu
faz de conta que o amor findou

faz de conta que nada se conta
faz de conta que a esperança afundou
faz de conta
faz que nada
que nada se conta
faz a conta
não faz nada

nada nada nada
(é o eco dessa história!)

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Olinda - XII - I - MMIV

Chico Buarque e Telma Costa, Eu Te  Amo

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

o encontro

"[...]No lugar da muda voz,
Falam minhas indefesas estrofes,
Instintivamente composta no caos.
Sua ordem é o acaso de nós.[...]"
Filipe Campos Melo em O que de Mim Escondo, do livro, Na Utopia Sou Profeta. p. 19

ismael nery - o encontro
era como se o mundo me engolisse
e eu engolisse o mundo com as entranhas
desejei uma solidão que não tinha
vivi um sentimento inventado

[não nascido, forjado
não era credível
mas com a fúria da catástrofe
qualquer gota a mais
transbordaria o represado]

uma suspensão do mundo
naquele corpo vivo
gozo profundo
derramado na carne crua
encrespando a pele à luz da rua
 
um sentimento talhado na luxúria
na provocação do andar
na transgressão da noite
no esbarrão do olhar
na fome de ontem

na ar(v)idez da sede
no despudor do desejo
águas correntes
torrentes desaguadas

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Olinda, MMXIII

miles davis, embraceable you


domingo, 5 de janeiro de 2014

o peso da palavra

"As palavras, como os seres vivos, nascem de vocábulos anteriores [...]
Outras, logo ao lado, parecem altivas e delicadas orquídeas. [...]
ofegantes, indefesas, caídas de repente nesse vasto alarido que é a vida".
José Eduardo Agualusa em Milagrário Pessoa. p. 15

imagem: kandinsky

a palavra em si tem um peso
um rumor, uma sentença escondida
um tempo guardado
um sabor escolhido

a palavra pronunciada é um mundo que se anuncia
orvalho que alimenta as manhãs
fruto que da semente germina
luz que a escuridão alumia

a palavra pode ser a esperança lançada
um código re-criado
um porvir aguardado
um caminho aberto a outras invenções

a palavra bem dita
é diálogo proporcionado
oportuna maturação do que já passou
paz a quem deseja encontrar

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São Luís, I - I - MMXIV

chico buarque, futuros amantes





b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...