segunda-feira, 25 de julho de 2011

barcos à deriva

(imagem recolhida na internet)

quebra de padrões
naquela tonalidade cinza
uma linguagem chumbo


bifurcações nos caminhos
à esquerda ou à direita?
interroga o tempo áspero


situações velhas
para resoluções novas
costumes puídos


contratos desvalidos
escritos na areia do mar
embates nocivos


delicadezas na gaveta da escrivaninha
desmemórias
histórias que se desfazem


dureza pincipal ponto
desdém
esse cais de porto


embarcações que não atracam
barcos à deriva
não chegam afinal na praia

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Para Ana Carolina

X - X - MMIX

Cais - Milton Nascimento/Ronaldo Bastos

domingo, 10 de julho de 2011

in memoriam

                                                                                                                                                                         imagem recolhida na internet


o veneno vermelho da saudade
tingia de morte
um amor que já desafalecia

aquele imenso amor
- aquele que pensava ser um dia -
nem deu por si


quanto
como desaparecia
 

na lápide se inscreveria
in memoriam:
aqui jaz aquele que tanto tentou

mas não vingou

só adoecia
e não sobreviveu!

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IV.VI.MMXI

O mundo todo canta essa música, Insensatez* - Tom Jobim e Vinicius de Morais - vamos ao Tom...



*Alguns interprétes de Insensatez, escolha o seu...

Alaíde Costa
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Andrea Lindsay
Clara Nunes
Eliana Printes
Elis Regina
Emilio Santiago
Fernanda Takai
Francis Albert
Frank Sinatra
Jair Rodrigues
Joao Gilberto
Lalo Schifrim
Marcela Mangabeira
Maria Creuza
Mercedes Sosa
Monica Salmaso
Nana Caymmi & Hélio Delmiro
Paula Morelembaum
Paulinho Nogueira
Roberto Carlos
Rosa Passos
Sylvia Telles
Shirley Espíndola
Toquinho
Vinicius de Morais

domingo, 3 de julho de 2011

e lá "onde o judas perdeu as botas"..

o dia amanheceu normal como sempre, como todos os outros. pendências para acertar, resoluções externas, definições com o engenheiro, checklist - é chegado o momento de finalizações, enfim -, a baritação,  a cadeira, o compressor, a porta do laboratório, sala disso, sala daquilo... pós-almoço, tempo quente, quase derretendo e o convite:
- queres ir passear de lancha?
nem pensei, respondi na lata: quero! vou só checar uns telefonemas, dar umas orientações e estarei pronta.
o passeio, a travessia para a outra margem do rio, e uma parada naquela areia branquinha e fina, uma vontade de misturar-me com ela e descer rio abaixo... sentei-me à margem e fiquei contemplando o prenúncio do por do sol, as cores que se alternavam, uma paisagem quase comum, se não fosse pelo céu cinzento, raiado de laranja incandescente e o rio deslizando tranquilo naquele fim de tarde, e o pensamento longe, tão longe que quase não o retomo. a impressão que tive era que o vento sussurrava aos meus ouvidos, me inquirindo:
- como é o seu nome?
- v., e o seu?
- e., você sabe nadar?
- hunrum. 
- e por que você não nada? 
- ah, tenho medo de contrair esquistossomose...
- esqui o quê?
- barriga d´água, doença do caramujo,  "xistose".
- ah, já sei, uma pessoa morreu disso.
- você quer olhar o rio?
- mas eu já estou olhando
- não, a gente olha o rio é de cabeça pra baixo, ele fica mais bonito! quer ver?
-quero! vamos!
me pus a plantar bananeira com o e. e de fato o rio parece outro. passamos a conversar naquela posição, perguntava-me tudo, e dizia-me tudo, falante, divertido, agradável, cheio de curiosidades, queria saber se eu gostava de sol, porquê eu tinha a mesma cor da areia, porquê meu cabelo era assim, assado, porquê eu falava diferente dele... milhões de indagações para um menino esperto de apenas seis anos de idade... e uma curiosidade do tamanho do mundo.
algum tempo depois, decidiu pular para dentro de uma fenda na areia, e ficou escavando a terra com as mãos, convidando-me para fazermos "castelos de pés" - cobre-se o pé com com areia úmida, e depois, devagar puxa-se o pé, sem desmanchar a tal construção, e vai-se fazendo vários destes, todos próximos, os tais "castelos de pés"-, achei divertido aquilo tudo, e pulei para dentro da fenda com ele e tentei edificar um feudo, insucesso total, ao contrário do garoto.
- eu agora vou tomar banho e jantar, minha mãe tá chamando, tchau, moça!
- tchau, e prazer viu?
recebi um sorriso farto como resposta, um aceno de mão e algumas "estrelas" puladas na areia...(ele todo rajado de areia, descalço, um calção surrado, pulou no rio, mergulhava, fazia a festa, diluía-se junto, fundia-se com a água, depois saiu e sumiu).
sentei-me outra vez à beira do rio, desta feita, no interior de uma canoa, e deixei os meus pés dentro da água, e brincava de fazer movimentos circulares com os pés, para ver o banzeiro na superfície. a.c. aproxima-se e pergunta se pode entrar no rio, respondo que sim, desde que ela não se afaste, afinal não conhecemos a profundidade dele, nem tampouco a força da correnteza, e além do mais já estava escurecendo...
enquanto me aquieto na canoa, olhando aquela natureza tão familiar, a pergunta chega repetidamente como um eco:
- ela já é batizada?
virei-me e deparei-me com uma menina de olhos vivazes, amendoados, castanhos, cabelos longos, e uma vontade louca de sair da sua mesmice relacional, conversar com uma pessoa desconhecida e finalmente contar as suas histórias, fortalecer a própria crença a partir do imaginário coletivo.
- sim, é, sim, por quê?
- porque se ela não for, ela não pode tomar banho às seis horas da tarde.
-e não? e por quê não?
- "porque senão a mãe d´água vem buscar ela"
- buscá-la, como assim?
- é que qualquer pessoa se não for batizada, não pode tomar banho às seis horas da tarde, a mãe d ´água vem buscar na hora, e nem vemos quando arrasta a pessoa pro fundo do rio e nunca mais a gente vê, sabia?
- sabia não... oxente!
- pois é, e a mão dela é fria e ligeira. eu já sou batizada por isso eu banho qualquer hora, mas a hora que eu mais gosto é dez da noite, a água tá morninha e boa! e também esse rio é cheio de cobras e jacarés...
(meti meus pés pra dentro da canoa e fiquei ali observando aquela menina, cheia de vida, conversadora, contando os "causos", as histórias que sua avó, mãe, as pessoas da comunidade, contam/contavam e a força da oralidade, ficamos conversando sobre tudo, ela estudava em dois turnos, duas séries diferentes, "só por causa de uma matéria - matemática" - ; como se constrói uma pipa; o seu cão que nadava léguas naquele rio; e que as pessoas diziam que o irmão comia cobra, e ela rebatia veementemente essa acusação, ele apenas matavam-nas, tratavam-nas, deixavam-nas limpinhas, e só guardava a gordura delas. mas que ela gostava mesmo era da carne de jacaré; e que em sua casa havia quatro tatus, mas um fugira, outro a família comera, um terceiro morrera de raiva por ter sido aprisionado, e o quarto estava lá,  e era ela quem cuidava, alimentava, etc...)
- mas olha, dona, sabia que se alguém levar para sua casa os ovos de uma cobra, ela vai buscar na sua casa, à meia noite? a pessoa pode morar onde morar, mas a cobra vai atrás.
- eita, é mesmo? sabia não... mesmo sem ter o endereço a cobra vai atrás?
(confesso que num ímpeto quase indaguei se a cobra tinha gps)
perguntei-lhe seu nome: a., sua idade, o que mais gostava de fazer, etc. ficamos proseando com bastante entusiasmo, até que ela se despede, ia ajudar a mãe na banca - vender mingau de milho, munguzá -. e aproveitei para tirar a.c. da água, e subir para comer um delicioso peixe frito, acompanhado daquela "cerva" geladíssima.
o céu estava estrelado, luzes difusas na outra margem, temperatura amena, e na mesa, uma conversa boa, e ótimas companhias.
quando já estamos nos despedindo, avisam-me: "a., tá perguntando se a senhora não quer um copo de mingau"? eu já nem podia mais ver comida na minha frente, mas como rejeitar uma oferta tão carinhosa como aquela?
- sim, claro que sim, com muito gosto!
nessa hora fico toda "cheia de dedos", e se eu perguntar quanto custa, será que a menina ficaria ofendida? perguntava-me, e respondia-me imediatamente: sei não, será? decidi arriscar e perguntei. docemente ela disse que não precisava pagar não, ela estava me dando. mas como ser justa diante de uma situação dessas? afinal ela não auxiliava a mãe por lazer, não vendiam mingau de milho pra fazer graça, mas por necessidade óbvia e eu não queria deixar de ajudá-las. então combinei com ela, que naquela noite eu pagaria, mas que na próxima vez eu aceitaria a cortesia. ela então concordou e saiu acenando.
e eu fiquei fazendo mil conjecturas acerca da vida, dos encontros, e do quanto tudo pode ser simples, se quisermos...

sei lá, saí de lá e fiquei escutando o palavra cantada - trilhares...

b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...