sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Era só mais um carnaval

"o que me mantém vivo 
é o risco iminente da paixão 
e  seus coadjuvantes, 
amor, ódio, gozo, misericórdia” 

Rubem Fonseca em Histórias de Amor,  p. 33

imagem: arquivo pessoal

Era carnaval.
Já antes da quarta-feira de cinzas
o amor jazia no asfalto.

Misturado
aos confetes,
as serpentinas,
aos papéis rasgados,
aos documentos perdidos,

as latas descartadas,
aos cacos de vidros
ao caos de vidas.

Ali também estavam as purpurinas esmaecidas,
amanhecidas,
figurantes do tempo,
de um futuro distante,
que perdeu o brilho.

Na falta de tato,
na complexidade do cotidiano,
nas banalidades,
nas desimportâncias
e nas desistências.

Um tempo todo carnavaliza(n)do,
em todas as instâncias,
em todas as querências,
um tempo de máscaras
e
atuações histriônicas.

Era só mais um carnaval
e nem precisou da quarta-feira de cinzas
para anunciar seu final.

--

Recife, XIII - II - MMXVII

Hino dos Batutas de São José,  Babi Jaques Os Sicilianos e Maestro Spok.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

o que você deixou de ser

"[...] Desamarre os laços inúteis
os nós do que não serve mais
desamarre o barco do cais
os nós das janelas
e então deixe que o vento..."

Roseana Murray em Receita de de desamarrar os nós


imagem: arquivo pessoal

"O que foi que você deixou de ser, depois que cresceu"?

Não abra mão do seu impulso interior, apenas escolha a melhor decisão para cada momento. Mantermos a nossa essência, a nossa identidade, em um mundo caótico, confuso e que insiste em nos homogeneizar, não se configura tarefa simples, mas é possível.

É só não esquecermos as nossas raízes,  quem somos e de onde viemos.Insistir para e com o bem, até o infinito, é um bom caminho.

Exercer a bonomia por mais desafiador(a) que seja, o seu resultado beneficiará a todos nós, é global, universal.

Mas também não  será o fim do mundo, se acontecerem os tropeços nessa jornada, faz parte da caminhada.

Tempo e espaço, são para além de conceitos necessários e apreensíveis: precisamos deles para as nossas vivências e, as nossas lições empíricas...

Olinda, MMXII

O Que é, O Que é, Gonzaguinha

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

dias de outono


"A vida é como um sonho; é o acordar que nos mata.“

Virgínia Woolf

imagens: arquivo pessoal

Sentou-se em um banco, na praceta defronte à clínica, acompanhada da Virginia Woolf.
Optou por esperá-lo fora do consultório, até que atendesse a todo os pacientes.
Queria aproveitar a luz, o vento e o clima outoniço de Lisboa.
Com a chegada do outono, eles sabiam que haveria uma ruptura.
Viveram tudo com intensidade.
A maturidade é um tempo em que se compreende melhor as circunstâncias.
Tinham ciência da distância geográfica que se estabeleceria doravante e, dos projetos profissionais de cada um.
Mesmo com dor, abriram mão dos sonhos e fizeram daquele almoço, um banquete de despedida.
Tomaram um "Delas Freres Crozes - Hermitage Les Launes" (safra 2016), depois café, com "Madeleines" e “Tarte Citron”.
Presenteou-a com chocolates, tomaram água e saíram do restaurante, foram caminhar um pouco. Ainda tinha um sol forte, ele então retirou seu chapéu Panamá da cabeça e o pôs na dela.
Entrelaçaram as mãos e saíram pensativos, flanando pela esplanada, seguiram resilientes até à casa.
No percurso, catava algumas folhas do chão e lhe entregava - porque sabia da sua paixão por elas -.
Logo que entraram no apartamento, ela foi seduzida pela estante que tomava uma sala inteira.
Ficou ali passeando por entre os títulos.
Atento à ela, percebeu o brilho nos olhos quando olhou sua colecção de História da Arte, ouvi-na murmurar:
- Rubens!
Ao mesmo tempo em que deslizava as pontas dos dedos, naquele livro.
Ele então o retirou do meio da colecção e ofereceu-lhe.
Ambos se entreolharam, ela estupefata, ele entre divertido e admirado com a reacção de contentamento dela.
Abracaram-se e mais uma vez, esqueceram o mundo lá fora e o que viria depois desse dia.
Era chegada a hora da partida, pôs seu capacete, entregou-lhe outro, montaram na lambreta e seguiram rumo à estação de Santo Apolónia e ao "novo" futuro.

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Cascais, V - IX - MMXIX

Non Je n'ai rien oublié, Charles Aznavour

domingo, 24 de janeiro de 2021

desejo na pele

"[...] Desfalecer
à pele
do sorriso
Sufocar
de prazer
com o teu corpo
Trocar tudo por ti
se for preciso"

Maria Teresa Horta em Morrer de Amor

imagem colhida na internet, desconheço a autoria

Ela o conhecia não apenas com a alma.

Mas também com o cheiro, com o gosto, com as mãos, com a boca. 

Ela o conhecia com a pele.

Esse vasto órgão que os cobriam,

Eriçavam e com o qual se tocavam.

Era a pele que transpirava à proximidade. 

Era com a pele que se emaranhavam um no outro.

Imergiam um no outro.

Transbordavam.

Era com os poros que eles se respiravam. 

Corpos emaranhados como se tramassem um exótico desenho.

Cheio de sol,

Luz diurna a reluzir o desejo explícito.

Peles  diluídas,

Expandidas nas asas velozes da excitação.

Sim. 

Essa era a voz deles: o sussurro da pele.

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Deusa do Amor, Caetano, Moreno, Tom e Zeca Veloso 


b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...