"A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério".
Agora que você já saiu de dentro de mim, não sei mais como preencher essa extensão que era sua. Coloquei um jarro com orquídeas, um livro do O´Neill e um porta-retrato com aquela foto da nossa praia favorita, mas ficou um tanto estranho, tal qual a vida e seus desacontecimentos. Ainda assim, decidi aprender a ocupar e me deixar ocupar novamente esses espaços.
As ondas de silêncio doeram, mais até que as palavras ásperas, nas raras vezes que as utilizamos. Mas ele foi necessário, hoje percebo.
Voltei a caminhar sem medo outra vez, apesar de alguns tropeções, mas não me esqueci de como se apruma o andar e o olhar rumo ao horizonte. Até já cantarolo as músicas que não saíam da nossa vida, mas que tive de expulsá-las antes que elas me expulsassem de mim. Algumas vezes me surpreendo com o “coração cheio de acrobatas”, como se me anunciassem um grande espetáculo, não entendi ainda o porquê de tanta festa, mas estou à espera dela.
O tempo é deesperada transição, embora sinto laivos da sua presença, amiúde, mas assim se dá o processo, inesperadamente o que vem, vai. Não sei fingir o que não sinto, disto já sabes, e as pessoas e os sentimentos não são descartáveis, quanto falamos sobre isso? É preciso tempo, eu preciso de tempo para reorganizar o lado de dentro; amor, amar não são supérfluos, não são coisas que se compram nos shoppings, não estão dispostos nas prateleiras, nas gôndolas, é matéria rara. Quase intangível. E quando acontece do coração sentir amor, ele o vive em sua plenitude, transborda; tanto quanto lamenta se uma história têm seu fim. Ele enlutece, chora, vive em si mesmo, se embota, vira concha, sofre talvez mais até que o necessário, até esgotar sem pressa todos os sentimentos ali reunidos, um dia festejados, mas que sumiram na poeira do tempo, viraram pó; como se restabelece também no período certo. No seu próprio e uno momento.
O tempo é de
Dei outra vez para caminhar ao sabor do vento, sair a esmo, sem destino, seguindo apenas a minha intuição, deixando meus passos me conduzirem a qualquer lugar. Voltei a me encantar com o canto dos passarinhos, com as “onze horas”, que resistentes ao nosso sol escaldante, desabrocham pontuais, saudando a alegria do dia e dos ciclos. Como eu, que acabo de inaugurar mais um: soltei minha alma, que agora novamente, plana livre no azul do céu, se misturando com as nuvens. Se levantares o olhar, se depararás comigo, brincando de dar formas outra vez aos meus sonhos.
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Da série: Cartas para Ulisses
Ecstasy - Mario Biondi
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