quinta-feira, 22 de agosto de 2013

tem palavra que fere

"Dor de ver-te
amor morto
Dor de amar-te
morto amor
Dor a morte
dor o amor
Dorme".
Alexandre O´Neill in Poesia Completas, Elegia. p. 159

recuerdo - frida kahlo

tem palavra que fere
que rasga a carne e sangra
eviscera o peito
deixando-o vazio, oco, inerte sem reação

tem palavra que sibila
como serpente preparando o bote
quando farfalha sobre as folhas
arrastando-se em direção à presa

tem palavra que queima
como fogo crepitando na mata seca
e se dispersa com o vento
deixando seu lastro de destruição

tem palavra que é certeira
mortal, anunciada pelo estampido do tiro
que vai no âmago
e deixa agonizando sem vida um coração

(tem palavra que é letal e jamais deveria ser dita!)

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E o querido amigo e generoso poeta Filipe Campos Melo:

A multiplicação das palavras na desordem da razão
construindo mundos
destruindo memórias
vagando o corpo

escritas
sentidas
impronunciadas


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 E parceria poética também rende excelentes frutos com a Piedade:


tem palavra que fere, e há por vezes o silêncio
que rasga a carne e sangra, mansamente
eviscera o peito dilacerado
deixando-o vazio, oco, inerte sem reação
com um esgar de dor, caindo em borbotões
pelo chão- encerado- da paixão já sem brilho
nem fulgor. 


tem palavra que sibila, que lança veneno
como serpente preparando o bote
ofegante de raiva e lume queimando
quando farfalha sobre as folhas
arrastando-se em direção à presa
sufocando, o verde já sem viço e sem perdão.

tem palavra que queima e fere
como fogo crepitando na mata seca
alastrando tudo em seu redor
e se dispersa com o vento desvairado
deixando seu lastro de destruição
árido e calcinado, vazio de contrição.

tem palavra que é certeira, com mira apontada
mortal, anunciada pelo estampido do tiro seco
que vai no âmago e na fúria descontrolada
e deixa agonizando sem vida um coração
que jaz inerte dentro de um corpo
que só merecia perdão.

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Olinda, XXII - VIII - MMXIII

antónio zambujo, a casa fechada



domingo, 4 de agosto de 2013

eu não sei o que há em ti

"teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa"

imagem: emil nolde


sem que eu esperasse
foste tomando forma
mansamente abrindo espaços
se instalando sem que eu percebesse

não senti medo ou pavor
fui deixando, deixando
há algo em ti
que me toca profundamente

talvez o riso que não sei
o beijo de framboesa
o toque de cetim
ou os teus olhos de fome

eu não sei o que há em ti
que me arremessa ao teu destino
meus gestos que não entendo
palavras sem sentidos

um doce desatino
um poema em construção
uma pressa em viver
(e)terna provocação

há algo em ti que  incendeia
não sei se a voz inconfundível
teu deslizar macio
ou esse nosso desejo de mundo

sem que eu esperasse
te espero agora
como se fosse um domingo
repleto de primavera

há algo em ti que eu não sei (me) conter!

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A sensibilidade e a generosidade transformadas em poesia, da Piedade ganhamos:

sem que eu aguardasse
foste sombra que se tornou corpo
Imperturbavelmente, sem alardes
arreigando-se sem que eu conjecturasse.

eu desatenta , eu no meu mundo
fui cedendo, cedendo
uma centelha havia
que me incendiava mansamente.

talvez o brilho do olhar
em tons de cinza e verde
ou o teu riso a ecoar no ar
e no mar em forma de repercussão.

não sei, e nunca saberei
porque teço o meu caminho em ti
sem ti, se os meus gestos enlaçam
as palavras em nós, sem nós.

um rastilho que derrama
um poema em construção
uma urgência em acertar
os passos em desvairo no destino.

tudo em ti me afogueia
na combustão activa
das tuas mãos de veludo
a resvalar no meu corpo sedento.

sem que eu soubesse ou esperasse
e sei-te agora e espero
o primórdio do dia (dias)
com a chegada do sol em nós.

porque há em ti algo que eu nunca vou saber entender
ou perceber nos ciclos das estações
que não sei nem consigo travar.

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Olinda, XXIX - VII - MMXIII

*depois de ler o poema do e.e.cummings tentei fazer uma intertextualidade...

maria bethania canta, estranho rapaz








b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...