cansei de falar o que você não ouvia deixei de escutar aquilo que você não dizia desprezei o que para mim não dirigias e agora, agora sibilas ao vento cantas ao vento não sei se um abandono ou tormento se alívio ou esquecimento o que não foi vivido em tantos momentos e agora, agora eu digo que fui embora fui embora de mim, fui embora de nós bati os pés, soltei os nós abri as asas, me lancei no céu e bebi toda a imensidão azul que um dia que em um longínquo dia sonhei para nós! ------- Olinda - V - VI - MMXIII Leonard Cohen, Hallelujah
suas histórias eu sei de cor conheço cada memória foi tudo o que restou um passado tão presente que não se acabou das suas histórias eu sei cada rima cada verso todo o universo no qual você se resguardou e nunca mais saiu! Recife, III - MMXVI Neil Young, Old Man
Eu posso dizer o que quiser, você não vai sorrir, como se fosse tolice.
Quando estou com você, é tão maravilhoso como quando estou só.
Não tenho noção de que você é outro ser".
Taylor Caldwell in A Pillar of Iron. p. 97
Imagem: Ismael Nery
A vida corria lá fora apressada. O barulho do trânsito, o fim de tarde e o anúncio do dia que findara quase não era percebido por eles. O vento irrompia pela varanda, balançando o sino de vento, desfolhando o jornal esquecido na poltrona e agitando suavemente alguns fios de cabelo que se emaranhavam pela face de Helena, que os afastava delicadamente com as pontas dos dedos.
A música, quase ambiente, era um blues daqueles que dilaceravam impiedosamente a alma.
Estavam recostados no sofá e a atmosfera da sala os envolvia, luzes difusas no teto branco rebaixado, uma semi-penumbra. Ambos mergulhados em um tempo recém-inaugurado: o deles, mas com algum resquício de um passado preso em algum lugar do coração, ainda que não sustivesse a grande importância da vida já acontecida. Apenas fez parte da história, porque assim foi.
As memórias de um e do outro misturavam-se ao uísque como se estivessem ritualizando as despedidas de tudo que havia sido antes do intercurso dos dois, acordado ainda na ancestralidade.
E algum prazo depois, esse reencontro orquestrado pelo destino; o desejo da chegada desse futuro que demorara o tempo suficiente para o prelúdio desse momento pelo qual tanto ansiaram.
Comemoravam a celebração da nova vida que começava ali com um pacto mudo, um ajuste, um ponto de partida, um entendimento, um regresso, onde já não mais havia lugar para desconfianças, temores e distâncias afetivas.
O blending, com seu sabor único, simbolizando o sentimento profundo e exclusivo que os unia. Naquela noite o amor foi o grande vencedor, suplantando todas as barreiras e possíveis receios que ainda os cingiam. Já não mais degustavam insondáveis solidões ou alheamento de mundos, pretendiam agora percorrer juntos todos os caminhos, queriam tudo da vida, toda a vida que não puderam ter durante esse necessário distanciamento. Dali em diante todos os alvoreceres os encontrariam enlinhados, renovando o milagre da existência.
Existem certas situações em que, quando
um determinado fio se rompe, a vida também se quebra - o coração e a carne sangram - e é necessário
tempo para o conserto dessa quebra, dessa ruptura, dessa sangria.
Não é que tudo perca o
sentido, mas é um momento onde a ilusão dá lugar à realidade e, essa é
sempre muito mais cruel, menos romântica.
É
preciso coragem e força para seguir adiante, olhar o horizonte com
alguma partícula de esperança, é uma fase difícil, requer suportes,
ajudas externas e uma grande sanidade mental, um controle emocional que
muitas vezes não se dispõe, dado ao grau de envolvimento na determinada
questão.
Romper paradigmas não é simples.
E é sofrido, é jogar fora todas as "certezas" até então, é um destroço com o estabelecido, uma desconstrução que desloca qualquer pessoa do seu eixo, mas apesar disso, o sol não deixará de nascer, nem a lua será um fato impermanente, dias e noites cumprirão sua natureza, a vida prosseguirá à revelia das suas dificuldades & dores,
mas em você tudo terminará e nascerá outra alegoria de si, outra forma
de olhar a rotina e, até de vivê-la.
Algumas vezes um certo ceticismo,
um azedume inexplicável - forma de proteção -, uma necessidade de
silêncio, a reconstrução. Carece uma dosagem extra de paciência, porque a
espera é sempre longa e cansativa.
Entretanto, diante de alguma
amargura, por vezes a indiferença, o distanciamento e o silêncio, são os melhores remédios. Aprende-se a caminhar com as flechas encravadas no corpo, quiçá, após esse
cataclisma você ressurja mais tolerante, menos exigente, com menos expectativas, afinal, o outro também pode estar sentindo a mesma decepção...
Apagar tudo, passar a conhecida borracha do esquecimento. Embora na memória esteja tudo lá, alojado, guardado.
Resta aprender com tudo e decidir o que fará com a lição aprendida (se é que se aprendeu algo), sofrer em demasia por algo que aconteceu e que é imutável (o passado, o vivido tem essa carga de imimetismo), pois já foi, ontem não retorna, que de acordo consigo, o que se devia fazer foi feito.
Só resta uma saída: prosseguir, le temps d' apprendre à vivre il est déjà trop tard...