terça-feira, 13 de dezembro de 2016

cansaço

"Pies para qué los quiero
si tengo alas p´ volar".
Frida Kahlo

imagem: frida kahlo

cansei de falar o que você não ouvia
deixei de escutar aquilo que você não dizia
desprezei o que para mim não dirigias

e agora, agora
sibilas ao vento
cantas ao vento

não sei se um abandono ou tormento
se alívio ou esquecimento
o que não foi vivido em tantos momentos

e agora, agora
eu digo que fui embora
fui embora de mim, fui embora de nós

bati os pés, soltei os nós
abri as asas, me lancei no céu
e bebi toda a imensidão azul

que um dia
que em um longínquo dia
sonhei para nós!

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Olinda - V - VI - MMXIII

Leonard Cohen, Hallelujah






terça-feira, 6 de setembro de 2016

suas histórias

"O amor me fere é debaixo do braço,
de um vão entre as costelas.
Atinge meu coração é por esta via inclinada"
Adélia Prado em Amor Violeta 

duas figuras - ismael nery

suas histórias eu sei de cor
conheço cada memória
foi tudo o que restou
um passado tão presente
que não se acabou

das suas histórias eu sei cada rima

cada verso
todo o universo
no qual você se resguardou
e nunca mais saiu!


Recife, III - MMXVI

Neil Young, Old Man



quarta-feira, 27 de julho de 2016

A carne

"Ele dava a sensação que o mundo inteiro estava fechado naquele momento
 e de que só existia aquele festim sensual, 
de que não haveria amanhã"

Anäis Nin em Delta de Vênus



imagem: Amedeo Modigliani



A carne não pensa
Não usa só o sentimento
A carne apenas anseia
Estremece ante o corpo desejado
Exige a presença
Comparência e urgência
Porque a carne pulsa
E sente lassidão após o frêmito  

O depois a carne não pesa
Mas engole a sensatez
Não há  sanidade na carne
Há um anelo de abraços
De pernas e muita cobiça
Encontro boca lábio língua

(Porque quando tu imponente
Invades-me a carne insolente
em minha necessidade premente
Me deixas extasiada!)


Olinda - XXI - VI - MMXVI

Kansas, Dust in the Wind


domingo, 5 de junho de 2016

Celebração

- É porque você fala como eu e pensa como eu. 
Eu posso dizer o que quiser, você não vai sorrir, como se fosse tolice. 
Quando estou com você, é tão maravilhoso como quando estou só. 
Não tenho noção de que você é outro ser".
Taylor Caldwell in A Pillar of Iron. p. 97

Imagem: Ismael Nery

A vida corria lá fora apressada. 
O barulho do trânsito, o fim de tarde e o anúncio do dia que findara quase não era percebido por eles. O vento irrompia pela varanda, balançando o sino de vento, desfolhando o jornal esquecido na poltrona e agitando suavemente alguns fios de cabelo que se emaranhavam pela face de Helena, que os afastava delicadamente com as pontas dos dedos. 
A música, quase ambiente, era um blues daqueles que dilaceravam impiedosamente a alma.
Estavam recostados no sofá e a atmosfera da sala os envolvia, luzes difusas no teto branco rebaixado, uma semi-penumbra. Ambos mergulhados em um tempo recém-inaugurado: o deles, mas com algum resquício de um passado preso em algum lugar do coração, ainda que não sustivesse a grande importância da vida já acontecida. Apenas fez parte da história, porque assim foi.
As memórias de um e do outro misturavam-se ao uísque como  se estivessem  ritualizando as despedidas de tudo que havia sido antes do intercurso dos dois, acordado ainda  na ancestralidade.
E algum prazo depois, esse reencontro orquestrado pelo destino; o desejo da chegada desse futuro que demorara o tempo suficiente para o prelúdio desse momento pelo qual tanto ansiaram. 
Comemoravam a celebração da nova vida que começava ali com um pacto mudo, um ajuste, um ponto de partida, um entendimento, um regresso, onde já não mais havia lugar para desconfianças, temores e distâncias afetivas.
blending, com seu sabor único, simbolizando o sentimento profundo e exclusivo que os unia. Naquela noite o amor foi o grande vencedor, suplantando todas as barreiras e possíveis receios que ainda os cingiam. Já não mais degustavam insondáveis solidões ou alheamento de mundos, pretendiam agora percorrer juntos todos os caminhos, queriam tudo da vida, toda a vida que não puderam ter durante esse necessário distanciamento. Dali em diante todos os alvoreceres os encontrariam enlinhados, renovando o milagre da existência.

Recife, XXIV - VII - MMXIV

Joe Cocker, Never Tear Us Apart.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

da quebra

"Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim"

the little deer - frida kahlo

Existem certas situações em que,  quando um determinado fio se rompe, a vida também se quebra - o coração e a carne sangram - e é necessário tempo para o conserto dessa quebra, dessa ruptura, dessa sangria.

Não é que tudo perca o sentido, mas é um momento onde a ilusão dá lugar à realidade e, essa é sempre muito mais cruel, menos romântica.

É preciso coragem e força para seguir adiante, olhar o horizonte com alguma partícula de esperança, é uma fase difícil, requer suportes, ajudas externas e uma grande sanidade mental, um controle emocional que muitas vezes não se dispõe, dado ao grau de envolvimento na determinada questão.

Romper paradigmas não é simples.

E é sofrido, é jogar fora todas as "certezas" até então, é um destroço com o estabelecido, uma desconstrução que desloca qualquer pessoa do seu eixo, mas apesar disso, o sol não deixará de nascer, nem a lua será um fato impermanente, dias e noites cumprirão sua natureza, a vida prosseguirá à revelia das suas dificuldades & dores, mas em você tudo terminará e nascerá outra alegoria de si, outra forma de olhar a rotina e, até de vivê-la.

Algumas vezes um certo ceticismo, um azedume inexplicável - forma de proteção -, uma necessidade de silêncio, a reconstrução. Carece uma dosagem extra de paciência, porque a espera é sempre longa e cansativa.

Entretanto, diante de alguma amargura, por vezes a indiferença, o distanciamento e o silêncio, são os melhores remédios. Aprende-se a caminhar com as flechas encravadas no corpo, quiçá, após esse cataclisma você ressurja mais tolerante, menos exigente, com menos expectativas, afinal, o outro também pode estar sentindo a mesma decepção...

Apagar tudo, passar a conhecida borracha do esquecimento. Embora na memória esteja tudo lá, alojado, guardado.

Resta aprender com tudo e decidir o que fará com a lição aprendida (se é que se aprendeu algo), sofrer em demasia por algo que aconteceu e que é imutável (o passado, o vivido tem essa carga de imimetismo), pois já foi, ontem não retorna,  que de acordo consigo, o que se devia fazer foi feito.
Só resta uma saída: prosseguir, le temps d' apprendre à vivre il est déjà trop tard...

Olinda,  XXVII - IV - MMXVI

Chico Buarque, Desalento

sábado, 23 de abril de 2016

seus olhos eu sei de cor

"Para pensar em ti, me basta 
o próprio amor que por ti sinto: 
és a ideia, serena e casta, 
nutrida do enigma do instinto". 

Cecília Meireles em Personagem

imagem: ismael nery


seus olhos
eu sei de cor
entre musgo e cobre
uns olhos que
cobrem e engolem
a extensão do meu ser

seus olhos eu sei de cor
uns olhos de encantamento
e feitiço
à parte isso
me sabe de cor

Fernando de Noronha, maio de MMXIV

Leonard Cohen, Dance Me to The End Of Love


terça-feira, 15 de março de 2016

no final da tarde

"O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar"
Carlos Drummond de Andrade


imagem: marc chagall


no final da tarde
o poeta fecha a janela
guarda o sol na gaveta
e liberta a lua no céu
no final da tarde

Olinda, um dia qualquer de MMXIII

The Moody Blues - Nights In White Satin

b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...