sábado, 22 de julho de 2017

O que dói

aquele seu coração vazio de mim

Clarice Lispector em Para não esquecer. p.19

 foto: arquivo pessoal
  

Dói não ter mais as minhas mãos entrelaçadas às suas.
Dói o café solitário.
Dói a leitura introvertida.
Dói o passeio insociável.
Dói o blues desacompanhado. 

Dói saber do seu coração vazio de mim. 
Dói saber que não estou entre os seus pensamentos.
Dói saber que fechas os olhos e não me vês. 
Dói saber que não sou mais a sua memória.
Dói saber que nunca mais furacão a causar desordem. 

Dói saber que só restou esse imenso nada.
Dói saber que só restou silêncio e mágoa.

Dói saber que eu não existo.


Olinda, XXII - VII - MMXVII

Eric Clapton, Broken Down

sexta-feira, 21 de julho de 2017

"A Sociedade dos Sonhadores Involuntários"

Pequenas ondas, uma após a outra, bordavam finas rendas de espumas. 
As falésias cresciam atrás de mim. 
Acima das falésias cresciam os cactos, 
como altas catedrais de espinhos, 
e para além deles o rápido incêndio do  céu.

José Eduardo Agualusa em A Sociedade dos Sonhadores Involuntários. p.9




                         
fotos tiradas com meu cellphone


Fui hoje (20.07.2017) ao lançamento do novo livro do escritor angolano, José E. Agualusa "A Sociedade dos Sonhadores Involuntários", que me parece bem interessante.
Apreciei o bate-papo que ele teve com todos, lhe fiz uma pergunta e ele respondeu, tive assim minha curiosidade satisfeita.

Saí de lá pensativa, sem vontade de muita conversa, chove muito em Olinda, as ruas estão um pouco escuras, desertas e encharcadas, oferecendo belos cenários. 

Então, fiquei parada ali na praça da prefeitura, silenciosa e absorta.

Depois despertei dessa quietude e fotografei as ruas molhadas, a chuva que escorria pelas passagens, as gotas que caíam sobre os paralelepípedos, sem me importar com o fato de ficar ensopada por esse gesto e estar correndo riscos.

Senti necessidade de receber essa água que caía do céu. Elevei a cabeça e de olhos fechados, fiz uma prece pungente: para o tempo passar logo!
Foi bom misturar o sal das lágrimas com o sabor da água da chuva.
Quantas vozes e barulhos internos, meu Deus!
Entrei no carro e fiquei observando o silêncio do local, enquanto meu coração retumbava sentimentos.

Olinda, XX - VII - MMXVII

Eric Clapton, Back Home

quarta-feira, 5 de julho de 2017

As três mortes das estrelas

Além, muito além do sistema solar, 
até onde alcançam o pensamento e o coração, 
vamos! vamos conjugar 

o verbo fundamental essencial, 
o verbo transcendente, acima das gramáticas 

e do medo e da moeda e da política, 
o verbo sempreamar, 
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver. 


Carlos Drummond de Andrade em Além da Terra. Além do Céu.

imagem: the starry night, van gogh

Quando enfim anoitece
É que se percebe uma dilatação desmedida
Do lado de dentro.

É por dentro que tudo acontece
Quando se está distraído
Cuidando de acender a noite.

E num átimo
Vem o sol, o dia,
E de novo a escuridão.

Não que o fim do mundo tenha chegado
Mas é chegado o fim daquele mundo
De um mundo que explodiu

Como uma estrela.
E como uma estrela,
Que nasce vive e morre

Ainda que levem milhões de anos
Betelgeuse
Órion
Três Marias

Nebulosa planetária
Anã branca
E todas as estrelas de nêutrons.

Que viram aumentar o brilho
E logo a seguir seu apagão
Naquela rota de colisão

Testemunharam as três mortes das estrelas
Que foram engolidas pelo Buraco Negro.

Olinda, V - VII - MMXVII
Starry Starry Night with Don Mclean.

b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...