domingo, 29 de julho de 2012

amar simplesmente

*"eu me sinto arrancar dos velhos trilhos
a me precipitar, a ir pelo ar
em voo picado rumo ao infinito"


wassily kandinsky - autumn  in bavaria

... e o grito tímido
quase escondido
quase inaudível
quase banal
quase...
ama, ama!
amar esse humano
esse tanto humano em nós
amar, amar simplesmente
sem paixões, sem mágoas, sem dores
- esqueça a carne -
amar como quem sente fome e come


amar, em ato, de fato
amar com a mesma naturalidade
de quem ri para o nada
amar com a simplicidade e
a ciência do sol que
nasce e morre todo dia
porque é da sua natureza
brilhar quando não existem
nuvens carregadas no céu
e chove.


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XX - III - MMXII


* da antologia poética, andares


eric clapton canta e toca, autumm leaves (o difícil foi escolher quem)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

de papel

"Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo".

in the box horizontal - ruth bernhard


sou uma mulher de papel
dessas que leem livros, jornais e revistas
de papel

uma mulher dobrável
coloco meus sonhos
no papel

e guardo-o(s) no bolso
reúno notas que recorto
do papel

monto arquivos
pastas, coleciono histórias
também em papel

e me embriago
com as notícias e o cheiro
do papel

e como ele amasso
enrugo
e sou inscrita

em silenciosa leitura
um volume único
em mim mesma circunscrita!

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adriana capparelli canta, de papel (zeca baleiro e vanessa bumagny)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

aquilo

"más allá de cualquier zona prohibida
hay un espejo para nuestra triste transparencia"

imagem: remedios varo uranga


aquilo já nem era mais saudade
virara um corpo sobre o corpo
(hóspede de si)

envolta numa capa
como veste impermeável
(super-heroína do nada)

não recebia luz
nem emitia dor
(pulsava numa dinâmica própria)

rastros na poeira
e um cadenciado sombrio
(existia naquilo)

uma breve passagem no mundo
embaciada paisagem dentro dos olhos
pensava e sentia à revelia daquele coração opaco

(um desastre da natureza)

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XVIII - VII - MMXII


a norueguesa-somaliana, noora noor canta, forget what i said 

domingo, 15 de julho de 2012

a liberdade de ser

"Eu não sabia 
que virar pelo avesso
era uma experiência  mortal".

foto: Michele Aline de Azevedo

Eu quero a liberdade de ser infeliz (se eu quiser ser infeliz), de optar pela solidão (quando e se eu quiser a solidão), de me deixar acompanhar pelos meus fantasmas, de estar com as minhas sombras, de mergulhar nos meus silêncios e precipícios. Quero os meus labirintos, me perder neles sempre que me convier, quero as minhas lamentações (quando eu quiser lamentar). Quero a liberdade de decidir o que eu quero sentir e viver.

a malinesa inna modja canta, it´s alright

sexta-feira, 13 de julho de 2012

paranóia

"De vez em quando Deus me tira a poesia.
 Olho pedra, vejo pedra mesmo".
Adélia  Prado
visão paranóica - salvador dalí

se a gente pensa
pesa
se a gente pesa
não vive
se a gente não vive
não sente
se a gente não sente
é porque - nós - já morremos
e se - nós - já morremos
acabou o mundo
...
fim!

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XIII - VII - MMXII

a britânica skye edwards canta, not broken.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

inquietude

"... a gente fica fora de foco, 
sem saber mais o que é
e o que não é.
 Nem meu anjo da guarda sabe mais onde moro".
Clarice Lispector

imagem recolhida na internet

Observo-me e absorvo-me. Olhos fixos na imagem semi-desfocada que reflete no espelho quebrado; uma moldura de cimento contorna meu olhar e denuncia uma dureza que não existia ontem. Há uma dilatação inequívoca na íris, que transborda uma situação passada. Uma lembrança. Uma saudade. Um tempo que foi. E desistiu. Desisti. Desistimos. A boca circunvalada por um batom vermelho, bem vermelho, numa tentativa de colorir uma parte cinza da vida. Essa em que sua ausência me grita (e sobra em tudo), e grita alto, o seu nome. E eu finjo não ouvir (e continuo me enganando), porque eu inteira estou surda à provocação da sua existência. Esfrego a boca raivosamente. Esfrego a sua imagem que agora reverbera naquele vidro polido e metalizado, me olhando ironicamente por sobre os ombros, porque sabes o que tenciono ocultar, porque conheces a verdade que teimo em velar. E fujo, e escondo o meu rosto entre as minhas mãos esquálidas, e meus dedos finos e longos. Você é sempre essa nascente de sentimentos, imbricados entre as minhas vísceras, diluídos no meu sangue, amalgamados em meu ser. Um mistério, um desejo, uma raiva.
E então desavisadamente, a sua presença ameaça se fazer ainda mais presente, viro as costas ao meu apelo e saio. Lhe deixo lá, em algum lugar do espelho.

... Somos apenas dois estranhos agora.


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1º semestre de 2012


O Filipe, um talentosíssimo poeta português, deixou-me esse reflexo, que partilho com vocês, e que podem lê-lo aqui:


Todo o espelho desnuda uma memória


Todo o grito guarda um silêncio


Toda a palavra é nascente e foz


Toda a ausência é desformada sombra 


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oiçamos a nigeriana-germânica, nneka lucia egbuna  - restless

segunda-feira, 9 de julho de 2012

efêmero


"Tantos riscos desenham os pássaros no espaço!
Só é preciso saber ver".
Pepetela
                                                                 
    •                                                                         o espelho - paul delvaux

      efêmero
      como o cio das fêmeas
      no ciclo da lua

      fugás
      como a luz difusa
      dos faróis de neon
      acesos na madrugada

      transmutável
      como as máscaras
      que devolvem as aparências

      urgente
      como a vida
      refletida no espelho!

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      algum dia de 2012

      Iyeoka - uma anglo-nigeriana com voz e  atitude vale a pena ouvir e conhecer.



b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...