sábado, 7 de dezembro de 2013

inquietude

"Há sempre uma noite terrível para quem se despede
do esquecimento".
Herberto Helder

Starry Night Over the Rhone  (1888) - Vincent Van Gogh

há uma inquietude nessa noite
um mal estar incômodo
qualquer coisa indefinida
uma rajada de realidade
nos descaminhos da vida
 
há um abandono de sonhos
um lagar na alma
trazido amiúde pelo sibilar do vento
descrito em cada palavra
no diário do tempo

há no silêncio de agora
uma dor nova, um personagem crescente
e a mesma velha utopia
aquela retrospectiva declarada
foi um breve nada, mais um fio rompido

daquele bordado dourado
que a quatro mãos a agulha da paixão tecia
e do belo filigrana que se desenhou um dia
restaram as estrelas caídas do céu
em mortal agonia

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E mais uma vez para nosso deleite, o poeta e amigo querido, Filipe Campos Melo traz sua indelével marca:

Há uma inquietude na noite que se prolonga
Um sibilar de vento infame
Um sussurro indefinido
Uma corrompida perfeição

E se a palavra se reescreve incómoda
Descaminhando o escrito
No abandono de um tempo

Logo uma outra noite se aproxima
Na memória de uma inquietação
No silêncio reminiscente
Na vertigem de uma saudade em agonia

(...)


---------

E mais uma vez a Piedade faz um exercício que eu adoro:

Em mortal agonia
Restaram as estrelas caídas do céu
E do belo filigrana que se desenhou um dia
Que a quatro mãos a agulha da paixão tecia
Daquele bordado dourado

Foi um breve nada, mais um fio rompido
aquela retrospectiva declarada
e a mesma velha utopia
uma dor nova, um personagem crescente
há no silêncio de agora

no diário do tempo
descrito em cada palavra
trazido amiúde pelo sibilar do vento
um lagar na alma
há um abandono de sonhos

nos descaminhos da vida
uma rajada de realidade
qualquer coisa indefinida
um mal estar incômodo
há uma inquietude nessa noite

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Olinda, VII - XII - MMXIII

Starry Starry Nigh, Don McLean








domingo, 17 de novembro de 2013

esse desejo de mundo

"a memória indefinida de uns lábios acesos e
 de um corpo leve pousado sobre o meu".
José Eduardo Agualusa in As Mulheres do meu pai. p.149

arquivo pessoal 

Então mergulho nas páginas do livro,
e te encontro.
Alegria.
Meu riso vibra com o teu,
a tua voz me causa ranhuras
anunciando o porvir e a magia.
Teus olhos de fome
 e a nossa antropofagia.
Esse desejo de mundo:
Tu.
A minha poesia!

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 Olinda, XI - VIII - MMXIII

Antonio Zambujo canta, Quase um fado






terça-feira, 29 de outubro de 2013

V vezes

  "Mas se sou eu quem o sonho 
    posso dar-lhe o nome que quiser" 
José Eduardo Agualusa in O Vendedor de Passados.  p. 89

casal - ismael nery

I
quando tu escultor
esculpes meu corpo em nuvens
me desfaço as  formas
sou só paixão 

II
 não sei como chamar
esse desmaio que vivo
cada vez que lhe encontro
daí a razão de não acordar do passamento

III
a água da chuva não chega
para matar a sede
nem para levar 
aquilo que é leve e mora no peito

IV
os olhos já em festa
quando lhe vejo por perto
quando lhe olho por dentro  
quando me atiras a seta

V
quando acertas o alvo
quando tuas mãos me cercam
quando o jogo acaba
quando em mim desaguas. 

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Veneza,  XIX - V - MMIX

John Coltrane, Naima


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

a vida é o que acontece enquanto deixamos tudo para depois

"Assovia o vento dentro de mim. Estou despido. 
Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, 
sou minha cara contra o vento, a contravento, 
e sou o vento que bate em minha cara".
Eduardo Galeano in A ventania, O Livro dos Abraços. p. 270

imagem: henri matisse

A vida é o que acontece enquanto esperamos o melhor tempo para viver, enquanto escrevemos nas entrelinhas, enquanto nos escondemos dentro dos parênteses, enquanto suspendemos uma alegria, enquanto costuramos uma alegoria.
A vida é esse inevitável espaço entre os dias e as noites, é o que retardamos, é o que não realizamos quando a oportunidade chega. É o sinal que fechou e perdemos a travessia, é  o não quando deveria ser sim; ou o sim quando podia ser não. É aquela viagem inesperada, que jamais havia sido planejada.
A vida é aquele sorriso que não damos quando uma borboleta passou por nós, e não acompanhamos a evolução do seu voo e não nos admiramos das suas asas carregando as cores e os movimentos. É quando o telefone tocou e era uma ligação errada, quando derramamos sem querer o vinho na pessoa ao nosso lado, quando tropeçamos na calçada. É o esbarrão na esquina, é abandonar a agenda ao menos uma vez.
A vida é aquela canção que toca ao longe, aquele assovio ritmado que nos chega de algures. 
É alterar o percurso conhecido para ver novas paisagens, é fazer uma atividade nunca pensada, é a rotina odiada, mas é também o acontecimento inusitado.
Viver é todo o tempo que temos e estamos perdendo, ocupados com coisas e pessoas complicadas, sendo felizes ou infelizes. Existe um tempo que corre e não espera por ninguém, à revelia de cada solidão, à revelia de cada ilusão. 
Viver é aquela alegria negada, aquela ousadia abandonada, uma insensatez auto-permitida, um desatino consentido. Viver é aquele raio de sol que invade a fresta da janela logo cedo na manhã que nasce, e, para a qual fechamos a claridade com a cortina.

Viver só se aprende vivendo, não tem outra fórmula ou solução.
Viver é aquilo que acontece enquanto deixamos tudo para depois.
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Paris, XI - MMVIII

E o Filipe, um grande amigo e dos meus poetas preferidos, escusado dizer sobre o seu talento, grandiosidade e sensibilidade, sempre presente, nos dá um presente:


O tempo anoitece, traço a traço, ocultado
Enquanto a vida, rasurada, num sublinhado se traça
na insensatez de um verso escuro
na abundância da perda inesperada
Existimos dentro da inevitabilidade de um poema
abandonado

Enquanto a vida acontece
deixando tudo para trás

..... 


E as contribuições talentosas continuam, eis a generosidade da Piedade:

A vida é um pião que de vez em quando nos salta da mão
E
Cai no chão
E
Nós com jeito ou talvez não
Levantamos do chão
Uma
Duas
Muitas vezes

A vida é cor, alegria é mar
É paixão

A vida é tudo o que
Nos faz viver
Com e sem razão

E é tâo bom viver
 
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Norah Jones, The Story



quinta-feira, 10 de outubro de 2013

escárnio

"encontro-me habitualmente entre estranhos, 
porque enquanto sou arrastado por uns e por outros
não tenho tempo para magicar nas tristezas da minha vida".
F. Scott Fitzgerald in O Grande Gatsby. p. 73
 
 escárnio - emil nolde

a inverdade é tão poderosa
na mesma proporção em que
alguma verdade
pode entre os escombros
persistir

é transitória como a vida
temporária como a eternidade
para quem serve a eternidade
para que serve o amanhã
para que tantas manhãs?

para que imortalidade
se teus dias são feitos de inutilidades
jóias em ouro, prata, escárnio e poder?
poder efêmero como a luz diáfana 
da manhã desperta

no teu olhar difuso
na confusa rede
de tantas artimanhas
nessa enfadonha personagem

que já não te cabe mais

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E o meu amigo e grande poeta, generoso, farto em expressividade, Filipe Campos Melo, que sempre sofistica minha tímida escrita, nos traz a sua potência poética:

Dizem que todas as verdades são, por natureza, transitórias
Digo, a inverdade, na sua desproporcionada proporção, é seguramente mais poderosa

Como se escreve

"a inverdade é tão poderosa
na mesma proporção em que
alguma verdade
pode entre os escombros
persistir"


A mentira subsiste às derrocadas, persiste entre escombros,
É arma - ofensiva -
É uma ofensa - que se arma difusa
quase eterno escárnio.

É um murro aparentemente inultrapassável construído na palavra que se faz pessoa personagem
(ás vezes até no verso - por incompatível que pareça)

Mas, no final do dias, talvez seja apenas engano

"Para que serve a imortalidade se os dias são feitos de inutilidade?"

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Olinda, XXV - IX - MMXIII

herbie hancock, alone and i



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

tem palavra que fere

"Dor de ver-te
amor morto
Dor de amar-te
morto amor
Dor a morte
dor o amor
Dorme".
Alexandre O´Neill in Poesia Completas, Elegia. p. 159

recuerdo - frida kahlo

tem palavra que fere
que rasga a carne e sangra
eviscera o peito
deixando-o vazio, oco, inerte sem reação

tem palavra que sibila
como serpente preparando o bote
quando farfalha sobre as folhas
arrastando-se em direção à presa

tem palavra que queima
como fogo crepitando na mata seca
e se dispersa com o vento
deixando seu lastro de destruição

tem palavra que é certeira
mortal, anunciada pelo estampido do tiro
que vai no âmago
e deixa agonizando sem vida um coração

(tem palavra que é letal e jamais deveria ser dita!)

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E o querido amigo e generoso poeta Filipe Campos Melo:

A multiplicação das palavras na desordem da razão
construindo mundos
destruindo memórias
vagando o corpo

escritas
sentidas
impronunciadas


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 E parceria poética também rende excelentes frutos com a Piedade:


tem palavra que fere, e há por vezes o silêncio
que rasga a carne e sangra, mansamente
eviscera o peito dilacerado
deixando-o vazio, oco, inerte sem reação
com um esgar de dor, caindo em borbotões
pelo chão- encerado- da paixão já sem brilho
nem fulgor. 


tem palavra que sibila, que lança veneno
como serpente preparando o bote
ofegante de raiva e lume queimando
quando farfalha sobre as folhas
arrastando-se em direção à presa
sufocando, o verde já sem viço e sem perdão.

tem palavra que queima e fere
como fogo crepitando na mata seca
alastrando tudo em seu redor
e se dispersa com o vento desvairado
deixando seu lastro de destruição
árido e calcinado, vazio de contrição.

tem palavra que é certeira, com mira apontada
mortal, anunciada pelo estampido do tiro seco
que vai no âmago e na fúria descontrolada
e deixa agonizando sem vida um coração
que jaz inerte dentro de um corpo
que só merecia perdão.

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Olinda, XXII - VIII - MMXIII

antónio zambujo, a casa fechada



domingo, 4 de agosto de 2013

eu não sei o que há em ti

"teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa"

imagem: emil nolde


sem que eu esperasse
foste tomando forma
mansamente abrindo espaços
se instalando sem que eu percebesse

não senti medo ou pavor
fui deixando, deixando
há algo em ti
que me toca profundamente

talvez o riso que não sei
o beijo de framboesa
o toque de cetim
ou os teus olhos de fome

eu não sei o que há em ti
que me arremessa ao teu destino
meus gestos que não entendo
palavras sem sentidos

um doce desatino
um poema em construção
uma pressa em viver
(e)terna provocação

há algo em ti que  incendeia
não sei se a voz inconfundível
teu deslizar macio
ou esse nosso desejo de mundo

sem que eu esperasse
te espero agora
como se fosse um domingo
repleto de primavera

há algo em ti que eu não sei (me) conter!

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A sensibilidade e a generosidade transformadas em poesia, da Piedade ganhamos:

sem que eu aguardasse
foste sombra que se tornou corpo
Imperturbavelmente, sem alardes
arreigando-se sem que eu conjecturasse.

eu desatenta , eu no meu mundo
fui cedendo, cedendo
uma centelha havia
que me incendiava mansamente.

talvez o brilho do olhar
em tons de cinza e verde
ou o teu riso a ecoar no ar
e no mar em forma de repercussão.

não sei, e nunca saberei
porque teço o meu caminho em ti
sem ti, se os meus gestos enlaçam
as palavras em nós, sem nós.

um rastilho que derrama
um poema em construção
uma urgência em acertar
os passos em desvairo no destino.

tudo em ti me afogueia
na combustão activa
das tuas mãos de veludo
a resvalar no meu corpo sedento.

sem que eu soubesse ou esperasse
e sei-te agora e espero
o primórdio do dia (dias)
com a chegada do sol em nós.

porque há em ti algo que eu nunca vou saber entender
ou perceber nos ciclos das estações
que não sei nem consigo travar.

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Olinda, XXIX - VII - MMXIII

*depois de ler o poema do e.e.cummings tentei fazer uma intertextualidade...

maria bethania canta, estranho rapaz








sábado, 27 de julho de 2013

"dia da partida"

"Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra «amigo».
[...]
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
[...]
É a verdade partilhada, praticada"...
Alexandre O´Neill in Amigo, Poesias Completas. p 79

quando tudo se vai e a noite escura recai
manto negro
no vagar dos dias que virão

quando tudo é desolação
e os acontecimentos insolúveis
são por si a solução

quando tudo é entorpecimento
e a vida se esvai cumprindo o ritual
daquela passagem entre a terra e o firmamento

quando tudo foi plantado
no amor, na esperança e na fé
e o imponderável muda de nome

resta a espera, a sabedoria e a paciência
para saber que o outro tempo indelével
é chamado de eternidade!

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E o Filipe, sempre atento, e atenciosamente poético, diz:

O mistério de Ser permanece por desvendar (dizem)
Contudo, toda a profecia se escreve em verso
Como palavra-cifra a decifrar

"quando tudo é desolação
os acontecimentos insolúveis
são por si a solução"

Talvez o destino seja um espaço-tempo circular

Ou como escrevi uma vez,

«A eternidade é incertamente certa
Uma forma de promessa
Uma alterância inversa
Em controversa alteração»

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Olinda -  XXVII - VII - MMXII

Os encontros são (talvez) o que de melhor pode nos proporcionar a vida, seja no âmbito familiar, dos amores e da amizade, toda vivência que não seja baseada em uma dessas três dimensões, torna-se efêmera. Tenho amigos que são mais valiosos que todos os tesouros do mundo.

António Zambujo, Foi Deus


domingo, 14 de julho de 2013

um eu

"[...] no encanto do crepúsculo metropolitano,
 sentia-me perseguido pela solidão e 
pressentia que o mesmo se passava com os outros[...]"
F. Scott Fitzgerald in The Great Gatsby. p. 63

imagem: emíliano di cavalcanti

nesse preciso momento
em que existes
- ainda que eu hesite -
precioso em sentido e sentimento

trago os olhos carregados de estrelas
pés recobertos de nuvens
não existe na boca
nenhum travo de saudade

ou um:

eu-solidão
eu-desolação
eu-a-sós
somente nós

sou
bandeira desfraldada
entregue ao sentimento
tu - eterno -
em mim
presente nessa essência
que não tem fim

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Um dos privilégios de se ter um amigo poeta, com a grandeza do Filipe Campos Melo é ser mimada com  poesias da sua lavra, reparem nessa beleza:

O "Eu" é inato sortilégio
que só é pleno no "Outro"

"eu-solidão
eu-desolação
eu-a-sós
somente nós"

Eis o fundamento de todas as infindas demandas
a razão de todos os circulares caminhos

Eis o verso-Nós


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recife - IX - IV - MMXII

madeleine peyroux, j'ai deux amours




sexta-feira, 5 de julho de 2013

a vida é um grão

"Como queres que eu não pergunte se tudo se faz pergunta"?
Hilda Hilst in Kadosh. p.51

imagem - emil nolde

a vida é um grão
algo tão inexplicável como a morte
tão inesperada como um corte
tão imprevisível como uma partida de pôquer

tão instável como a sorte
que pode ou não brotar
que pode ou não ser uma alegria
mas espere a dor
 
isso é real
como os dias que seguem
como a música que escutas
como a passagem terrena e a poesia

real como a fome de todo dia
a turbulência nos céus dos aviões
como o silêncio quando dormes
como a ausência quando despertas

como as sete notas do pentagrama
como o voo dos pássaros
como o estremecimento de medo
como a dolência depois do alcool

como a dormência
do esquecimento
como a indiferença do desamor
como a faísca  que apaga
 
como a saudade
que dói
deixa tudo no silêncio
e outra vez explode o grão da vida!


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E o Filipe Campos Melo, esse grande poeta que explode sensibilidade:

Inesperado
Imprevisível
Instável

O medo
O murro
As horas escassas

O mundo
Tanto

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E o Benno, poeta de marca maior, onde a sensibilidade aflora:

a vida não e só grão mas também gota
que volátil evapora instantânea ao solo quente
voa lentamente encorpa então a nuvem escura
e cai na terra em queda a chuva mansa novamente

e este ciclo se renova e se repete infindas vezes
e tanto insiste até que um dia o acaso faz o improvável
a gota em solo aterrisa inusitada bem na mira
e grão e gota se juntam numa mesma fonte renovável

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Olinda - XXIII - VI - MMXIII


Otto, Pra ser só minha mulher



segunda-feira, 1 de julho de 2013

da minha escrita

Ninguém é capaz de prever o que possa vir a fazer 
uma pessoa que sofre dos males do desamor.



Escrevo para não ser estrangulada pelos acontecimentos diários. Não é uma fuga, mas uma maneira de me libertar das amarguras e angústias cotidianas. Escrever pode ser o real, o inverossímil - ou não - daquele instante,  é concreto porque perpetua os sentimentos em palavras. E depois de escritos, criam asas, vida própria, interpretações múltiplas; inverossímil, a ficção pode ser apenas na escrita. Mas são sentidos, sofridos, vividos, percebidos por outrem, de uma maneira muito particular; e podem vir a ter um cariz irreal, ou a face exata da emoção pontual de cada um que toma ciência dessa escrita, naquele momento. Porque passa pela identificação, é a voz que grita o que estava silencioso no peito, ou a mão que escreve o que estava guardado e derramou naquele texto.
Quando damos vazão ao mundaréu de emoções que nos revolvem por dentro, exteriorizando-os cá fora, deixando-os escritos e aprisionados no papel (ou no espaço virtual), parecem perder a dimensão que lhes havíamos dado, e aquela força que movia montanhas, se perde no vácuo. Escrever é uma maneira de nos reorganizarmos internamente, é o encaixe do puzzle, é uma forma de manter a sanidade mental; é uma tentativa de ressignificar a nossa existência. É a virada de página, a passagem para um amanhã que talvez nem chegue, dependendo do nível emocional, do equilíbrio ou da loucura de cada um.
Mas para que tanto drama com um amanhã que ainda nem aconteceu? E nem sabemos se acontecerá... E só está escrito aqui?

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*A tela está na horizontal, a original é na vertical, mas escolhi publicá-la assim.

Olinda - IV - I - MMXII

Amor Electro - A Máquina

quarta-feira, 26 de junho de 2013

aquela dose de veneno

"Remeta-me os dedos
em vez de cartas de amor
[...]
Repito:
Se meta na minha vida
outra vez meta
Remeta".

cortesã - ismael nery

quero aquela cotidiana dose
de veneno
escarlate como vinho tinto
vermelho como sangue
doce como a vingança

aquela dose quente, carmim
que escorre - víbora -
disfarçada, malemolente
macia e rápida pelo canto da boca
e se aloja à espreita

ávida
certeira do bote
da vítima
do beijo
porque hoje eu te quero

meu desejo estrangulado
peçonha
alucinado
diante do mundo disfarçado
no peito guardado

mas para ti anunciado


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Olinda - XIX - VI - MMXIII

george michael, careless whisper...


sábado, 22 de junho de 2013

nunca mais

"E tudo que era efêmero
Se desfez.
E ficaste só tu, que és eterno"... 

imagem: wassily kandinsky

ele gostava do kandinsky
ela do vermelho
ele era do samba
ela vivia no jazz

a vida para ele era um passo de dança
ela delirava com as nota musicais
para ele a vida era uma festa
ela planejava o mundo

entre todos os azuis
se perderam
a festa daquele encontro
acabou no malice

e nunca mais se viram
e nunca mais o riso
e nunca mais feliz
e nunca mais azul
 
e nunca mais kandimsky
e nunca mais vermelho
e nunca mais o samba
e nunca mais o jazz

a vida virou nunca mais
nunca mais
nunca
mais.

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E o belo filigrana que vamos tecendo, e vai se ornando de belezas como essa que a Piedade fez, reparem:


Ele admirava a arte da Paula Rego
ela delirava com o iman maleki
ele gostava dos Muse
ela ouvia Caetano e toda a música brasileira.

Ele era apaixonado pela música em sua vida
e ela dançava descalça em frente do espelho
imaginando-o enlaçado nela
ambos a conquistar o mundo sem medos.

Entre cores translúcidas de cinza e verde
e ela impregnada nos azuis
se encontram entre os cheiros
dos escritos numa Feira de Livros

E nunca mais se isolaram
nunca mais se questionaram
nunca mais a vida foi a mesma
nunca mais a imaginação cessou

E nunca mais ela dançou
e ele cantou
e o sorriso ficou
e o imprevisto não finou.

E nunca mais a vida se levou
nunca mais
nunca mais
nunca nunca.
Mais.



Olinda - XIV - VI - MMXIII

maria gadu canta, do chico e do edu lobo, a história de lily braun

segunda-feira, 17 de junho de 2013

vazio

"Num barco sem vela aberta
Nesse mar
Nesse mar sem rumo certo
Longe de ti
Ou bem perto"...


vazio é o espaço que se estabelece
entre o tempo e a vontade
entre a escassez e a saudade
entre o grito de dor e a liberdade

vazio é a amplidão do olhar
que persevera em mergulhar além
explodindo milhões de partículas  no ar
e se esconde entre as nuvens e o mar 

vazio é aquela canção
que a rádio insiste em tocar
naquela hora mais inesperada
que ecoa aferrenhada no coração

vazio é a angústia em cada esquina
é o adeus acenado
é a fome de manhã
é a falta de pão

vazio é quando anoitece
e a alma aturdida esmorece
já não sabe mais sonhar
que um dia o tempo se esquece

que entre a nostalgia e a solidão
entre o barco e a ilusão
existe uma espera que aquece
um cais que amanhece

um aperto de mão
um sol para iluminar
ouro de mina guardado
e um porto para atracar!


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Eu adoro a intertextualidade que o Filipe nos proporciona, é de uma gentileza sem  tamanho:

O vazio é um espaço vago
(aparentemente)

Contudo,
todo o vazio é precedido
de inúmeros outros espaços
(antecedentes)

Outros espaços complexos e inquietantes
preenchidos na dor, na angustia,
na melancolia, na desilusão...

Na etérea canção do tempo que passa
e nos compõe memória
e nos forma em destituição

Digo,
De vago o vazio pouco tem
Todo o vazio é intensamente denso

Talvez porque
"vazio é o espaço que se estabelece
entre o tempo e a vontade"

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E o Benno, com sua força poética e sua pena certeira, cujas poesias redundam emoção, explosões e espetaculares harmonias, nos traz:


o vazio é o hiato
que separa nossas bocas
o vazio é o que fica
depois que elas se separam
o vazio é o antídoto
do veneno que o beijo inocula
ah! eu sem este vazio
seria eu mesmo, ou seria outro?
pleno é só o encontro


outros vazios compõem
a farta flora do nada

a terra seca
o lago morto
o lamento
a cabeça que não pensa
o coração que não sente
a ausência
e a saudade infinita

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Reparem que belo fio de Ariadne, fomos tecendo, cada um com seu estilo, desta feita é a beleza do poema da  Piedade, apreciem, por favor!

Vazio

Vazio é o sentir
entre a dor e a saudade
e esta lágrima que cai
obstinada e sem identidade

Vazio é o olhar entre as colinas
e sentir que o sonho se esvai
que explode em cinza e pó
nos caminhos por onde se distrai

Vazio é aquele poema
que tu nunca cantaste
olvidado ficou no tempo e
no fundo das tuas memórias

Vazio é o frio das esquinas
é o fim anunciado
é a incerteza que amedronta
é talvez o nosso fado

Vazio é a noite e seus espectros
é o medo que se aloja
e se assola até nos ossos
e nos leva até o prazer de sonhar

Ma sé preciso reagir ao vazio
e então resistiremos
semeando flores
em todos os sorrisos

E as estrelas nascerão em cada olhar
e em cada rosto e em cada boca
uma palavra de esperança
ainda se cantará

num hino que entoaremos em uníssono
num dia em que existirá um cais
e um porto à nossa espera
numa ilha desconhecida
.

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Olinda - XIV - VI - MMXII


luther ingram canta, if lovin you is wrong i don't wanna be right

terça-feira, 11 de junho de 2013

o essencial

- Ve y mira nuevamente las rosas. 
Comprenderás que la tuya es única en el mundo [...]
Es muy simple: no se ve bien sino con el corazón.
 Lo esencial es invisible a los ojos.
Antoine de Saint-Exupéry in El Principito. pp. 70,72


 imagem: marc chagall


o essencial não aprisiona
não se discute
não se revela
apenas existe

o essencial se mantém
em equilíbrio
entre o poema e a flor
entre a vertigem e o esplendor

não vive na sombra
nem  explode na luz
não quer notoriedade
apenas existe

muitas vezes é silêncio
ocasionalmente é loquaz
não se circunscreve
no âmbito da vaidade

o essencial não representa
não carece de palco
desconhece platéia
apenas existe

o essencial não precisa de respostas
porque não faz perguntas
não é medroso
sua coragem está na fé

não se entristece
porque se embevece com o mar
têm o azul em suas retinas
não condena e nem liberta

apenas existe!

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E o Filipe - um poeta desmedido, que vale a pena ler - sempre preciso, responde numa sintonia poética e reflexiva:

Da essência
o verso existencial
Da perenidade
o espaço essencial

Como inscrever no verso o tempo que nos move ?

"o essencial não aprisiona
não se discute
não se revela
apenas existe"

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Olinda - X - VI - MMXIII


miles davis (minha grande paixão jazzista), a silent way

sábado, 8 de junho de 2013

quiro mantéia


"No entanto, o intemporal em vós sabe
 da intemporalidade da vida.
 E sabe que ontem é apenas a memória de hoje
 e o amanhã é o sonho de hoje."
Khalil Gibran in O Profeta. p.80-81

  imagem: ismael nery

"a estrada é longa"...
assim disse a cigana que leu a minha mão
existem muitos desejos, sonhos e alucinações
em cada traçado
curvo ou entrecortado

obscuro ou sinalizado
seja na linha  da vida, da cabeça -  da razão
mas quem decidirá sou eu
esse é o destino

senhora das (próprias) decisões
porque os montes
a direção e os ventos
mudam com o tempo

a arte advinhatória também
no intricado mapa
impresso na palma, estão as indicações
anunciando a quem interessar possa

que o futuro não existe
é coisa de profeta
nem vidência alucinatória
nem a saudade, nem a dor, nem a solidão

só o gosto daquele beijo
- e uma forte intuição - 
e aquela linha reta
aquela que é chave

para se entender o coração

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E  o Filipe (quem, senão ele) grande e querido poeta, retraça minhas tortuosas linhas assim:

 Talvez a crença num destino
(autónomo e incontrolável)
seja apenas flagrante fraqueza
(uma pretexto de conformada inércia)

Assim o diz a razão (assim o digo também)


Mas
que dizer dos sinais (que vejo)
que dizer dos obscuros ventos (que sinto)
como definir os caminhos em verso (que escrevo)

Como entender todas as impossibilidades que o tempo tem?

(divagações de um pseudo-poeta
que "na utopia se diz profeta")

O futuro não existe enquanto não se faz passado

Só o beijo
E o verso

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Olinda - VIII - VI - MMXIII


rita lee canta, menino bonito  (escute o piano é demais de lindo!)



segunda-feira, 3 de junho de 2013

se eu tiver que voltar


"I hope the exit is joyeful
                                                                                                             and hope never tu return".
Frida Kahlo
imagem: frida kahlo


eu vivo como se tudo fosse verdade:
da mais simples a mais sofisticada mentira
da mais doce a  mais temível realidade

trato meus inimigos com respeito
e meus amigos com carinho e doçura
acredito em todos e desconfio de tudo

tenho muitas dúvidas
e nenhuma certeza
se haverá juízo final, não sei

mas ajo para que diante do metafísico
minha pena seja leve como a liberdade
para não ter que retornar

e se essa tragédia acontecer
quero voltar outra vez eu
para poder lhe reenca(o)nt(r)ar...

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Porque o Filipe olha além-mar, além-palavras, e vê  os sentimentos que pul(s)am:


Se tudo fosse verdade
E a metafísica relativa
Se o verso fosse saída
E a memória relatividade

O tempo voltaria
Como memória de uma imprevista idade


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E a Piedade, toda sensibilida, traz a sua bela intertextualidade:

eu sinto a verdade, mas prefiro acreditar na mentira,
porque sei que a verdade esconde,
a agrura dos momentos conturbados.

meus inimigos não sabem e eu para me sentir bem
sinto que são todos amigos
porque não acredito neles mas muito mais em mim.

assaltam-me receios terríveis
duvidas insondáveis e disfarçadas
nos abismos que se estendem sem fim.

mas se algo acontecer eu aceito,
e de braços abertos vou no voo,
para no mesmo voo regressar.


Olinda - I - VI - MMXIII

caetano veloso & lila downs cantam burn it blue (do filme frida, com salma hayek e alfred molina)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

as flores de frida kahlo

                                                                           "O céu, para mim, era aquela cauda de puro brilho
                                                           que atravessa o céu azul, aquela fusão fria além de toda cor".

Marguerite Duras in O Amante. p. 89



joguei fora as flores de frida
as flores de frida kahlo
estavam já sem vida
desbotadas
amassadas, cores desmaiadas
amanhecidas, desalinhadas

joguei fora todos os sonhos
junto com as flores de frida
todos os sonhos
de todas as matizes
descolori os dias
tudo feneceu

e desde então todas as cores desistiram
amontoaram-se em sépia
até a noite era sépia
sépia como tu não gostas
sépia como a vida
que passa desbotada

morna
e mora entre o horizonte
e a líquida distância
da saudade
da ausência
cristalizada 
que se esconde atrás  do céu rasgado

espalhada entre as nuvens
que se movem tristonhas
esquecidas
no céu em sépia
sonhando reter um dia
as cores de frida kahlo!


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Olinda - XX - IV - MMXIII

adriana calcanhoto canta, esquadros
 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

fracasso

"...Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."

 solitude - marc chagall

sem louros, flâmulas, medalhas
pódio de chegada
tampouco aplausos

não houve vitórias
mas grandes derrotas
fomos vencidos

não há vencedores
fomos atropelados na corrida da vida
no afã de conquistar o mundo

perdemos o passo seguinte
o abraço seguinte
o triunfo foi inimigo letal

uma glória vã
brilho fugaz
de quem não se satisfaz

com os simples encontros da vida
os fogos que explodiram
anunciavam o fracasso

do que um dia foi
gentileza, diálogo, compreensão
mas que chegue logo o tempo da paz

do amor e do perdão!

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E o Filipe Campos Melo, como sempre, vai além, enxerga tantas outras possibilidades...

Um triunfo vão
temporário
preso num calendário
uma incompreensão

E o verso que escreve a memória

amargamente
repetidamente
exaustivamente

como um eco que se prolonga na demora

...

Que venha o tempo agora


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Gosto muito da interação, da intertextualidade, e trago-vos o poema e a presença marcante da Piedade Araújo Sol, que pode ser vista e lida em seus dois blogues, vale a pena visitá-la: http://olharemtonsdeflash.blogspot.com.br/
e http://olharemtonsdemaresia.blogspot.com.br/

 
Vitórias inúteis
derrotas infiéis
amargas

Vencedores vencidos
amarrotados no silêncio
do mundo atroz.

Glória hipotecada
na derrota fria
com fim mordaz.

É assim a vida
por vezes sem nada
apenas o sonho.

Que ainda se faz.

Olinda - XI - XI- MMXII



Paulinho da Viola, Dança da Solidão



sábado, 11 de maio de 2013

silêncio de ícaro

"O sol dos sonhos
derreteu-lhe as asas.
E caiu lá do céu
onde voava,
ao rés-de-chão
da vida".

above the town - marc chagall

o fato
é que ainda somos silêncios
na tentativa

de sermos
pássaro
talvez seja o silêncio

a melhor forma
de  nos entendermos
de nos estendermos

de nos dilatarmos
enquanto fazemos
(juntos)

esse voo de ícaro! 

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E me emocionanando sempre, o Filipe Campos Melo, traduz assim:

somos silêncio
somos do silêncio
A tentativa
A hipotética via
O entendimento
"todo o voo anuncia-se na queda"
 

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Sempre muita atenta ao poema, Piedade Araújo Sol, reflete em/uma autopoiésis:

Talvez ainda eu consiga
Reverter a mitologia
E inventar voar no mar
Sem queimar as minhas asas
Talvez 


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Veneza - XVIII - V - MMIX

stereophonics - maybe tomorrow





b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...