domingo, 5 de junho de 2016

Celebração

- É porque você fala como eu e pensa como eu. 
Eu posso dizer o que quiser, você não vai sorrir, como se fosse tolice. 
Quando estou com você, é tão maravilhoso como quando estou só. 
Não tenho noção de que você é outro ser".
Taylor Caldwell in A Pillar of Iron. p. 97

Imagem: Ismael Nery

A vida corria lá fora apressada. 
O barulho do trânsito, o fim de tarde e o anúncio do dia que findara quase não era percebido por eles. O vento irrompia pela varanda, balançando o sino de vento, desfolhando o jornal esquecido na poltrona e agitando suavemente alguns fios de cabelo que se emaranhavam pela face de Helena, que os afastava delicadamente com as pontas dos dedos. 
A música, quase ambiente, era um blues daqueles que dilaceravam impiedosamente a alma.
Estavam recostados no sofá e a atmosfera da sala os envolvia, luzes difusas no teto branco rebaixado, uma semi-penumbra. Ambos mergulhados em um tempo recém-inaugurado: o deles, mas com algum resquício de um passado preso em algum lugar do coração, ainda que não sustivesse a grande importância da vida já acontecida. Apenas fez parte da história, porque assim foi.
As memórias de um e do outro misturavam-se ao uísque como  se estivessem  ritualizando as despedidas de tudo que havia sido antes do intercurso dos dois, acordado ainda  na ancestralidade.
E algum prazo depois, esse reencontro orquestrado pelo destino; o desejo da chegada desse futuro que demorara o tempo suficiente para o prelúdio desse momento pelo qual tanto ansiaram. 
Comemoravam a celebração da nova vida que começava ali com um pacto mudo, um ajuste, um ponto de partida, um entendimento, um regresso, onde já não mais havia lugar para desconfianças, temores e distâncias afetivas.
blending, com seu sabor único, simbolizando o sentimento profundo e exclusivo que os unia. Naquela noite o amor foi o grande vencedor, suplantando todas as barreiras e possíveis receios que ainda os cingiam. Já não mais degustavam insondáveis solidões ou alheamento de mundos, pretendiam agora percorrer juntos todos os caminhos, queriam tudo da vida, toda a vida que não puderam ter durante esse necessário distanciamento. Dali em diante todos os alvoreceres os encontrariam enlinhados, renovando o milagre da existência.

Recife, XXIV - VII - MMXIV

Joe Cocker, Never Tear Us Apart.

2 comentários:

Prazer tê-lo/a no Canto, obrigada pela delicadeza de dispor do seu tempo lendo-me. Seja bem-vindo/a!

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