"Realmente
não me importa ter que, um dia, começar tudo de novo.
Estou me
complementando aqui, eu acho, e depois não sei.
Acho que a gente deve
procurar viver o presente".
Caio Fernando Abreu in Cartas
Caio Fernando Abreu in Cartas
imagem: Ismael Nery
Por dentro acontece um turbilhão, milhões de sensações novas, antigas, renascidas das vísceras - quase calcificadas, de tanto desistir de ser, por compreender a desnecessidade da exposição -, causadas pelo inesperado de um cataclisma.
Por fora uma aparente tranquilidade, já que exteriorizar o alarde interior não altera o curso de nada. Procede recorrer à uma pergunta banal: como pode caber dentro de alguém um sentimento maior que o mundo? Uma medida que não atende à nenhuma lógica matemática?
Mas existe, intangível e inexplicável, talvez uma grande ingenuidade, um devaneio aos olhos de quem não consegue ser a pessoa que aparentemente se apresenta, ou que desperta em outrem uma ilusão, que desorganiza calculadamente uma forma de existir, especialmente porque não passa de um engodo, uma falcatrua emocional.
Por fora uma aparente tranquilidade, já que exteriorizar o alarde interior não altera o curso de nada. Procede recorrer à uma pergunta banal: como pode caber dentro de alguém um sentimento maior que o mundo? Uma medida que não atende à nenhuma lógica matemática?
Mas existe, intangível e inexplicável, talvez uma grande ingenuidade, um devaneio aos olhos de quem não consegue ser a pessoa que aparentemente se apresenta, ou que desperta em outrem uma ilusão, que desorganiza calculadamente uma forma de existir, especialmente porque não passa de um engodo, uma falcatrua emocional.
É fácil perder-se, mas é do mesmo modo possível reencontrar-se, reencantar-se, posto que é uma qualidade que existe dentro do ser, que - à revelia da vontade, da cobardia de muitos aventureiros com a emoção alheia -, sobrevive e aprende com os próprios equívocos.
Ser prisioneiro de si é tão penoso e fatal quanto ser prisioneiro de alguém, o que se constrói nessa zona de dependência? Uma indagação para a qual nem sempre se têm resposta. Há sempre mais do que se sabe, do que se diz, nesse grande e inextinguível mistério, a que alguns chamam sentimento, paixão, amor; para alguns aprisiona; para outros, liberta. O ideal seria, repara bem, eu disse ideal, não o possível - existe uma grande distância entre um e outro -, ausentar-se de si, sair de dentro de si, enxergar-se de fora, e observar cada gesto, cada atitude, como quando se olha e atenta para outra pessoa qualquer, e aplicar as sugestões que certamente daria aquele que estaria fazendo, vivendo situação semelhante à sua.
O difícil é conseguir.
Falar, criticar, julgar, condenar, é suave e vulgar para quem o faz; mas custoso e penoso para quem é o alvo da censura. Todo mundo é um pouco vítima, de si e dos outros.
O difícil é conseguir.
Falar, criticar, julgar, condenar, é suave e vulgar para quem o faz; mas custoso e penoso para quem é o alvo da censura. Todo mundo é um pouco vítima, de si e dos outros.
Olinda, XXX - I - MMXIV
John Coltrane, A Sentimental Mood.
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