quarta-feira, 9 de maio de 2007

Manifesto à tristeza...


Não, Tristeza, não me desculpe, não fiz as malas; não escolhi as roupas; não escolhi os livros; não escolhi os cedês; não esvaziei o armário; não desfiz os nós que me escravizavam ao que nunca tive; não preparei o terreno; não disse nada, quando deveria ter gritado a plenos pulmões... Não disse nada, eu, logo eu com minha insaciabilidade de palavras...
Não, Tristeza, não me desculpe. Só após ter experimentado mergulhar na infinidade azul do tranqüilo amor que a vida me ofertou, envolto em papel celofane com fita de cetim, é que compreendi enfim, que havia mergulhado anos a fio na solidão-cinza da indiferença que o medo me impulsionou e (não) vivi o que deveria como deveria... E perdi o melhor
dela: a doçura que inside o melhor-bem-querer num formato amoroso de pleno doar-se.
Não, Tristeza, não me desculpe por minha incompetência emocional e material. Hoje acordei mais só que um barco à deriva numa escura noite de tempestade... Mais só que um pássaro engaiolado impedido de voar pelo infinito azul... Mais só que uma prostituta lavando de sua vagina, o resultado do gozo do último freguês... Mais só que um mendigo, vestido de trapos, maltrapilho e faminto também de pão, ainda que seja àquele que o diabo tenha amassado... Mais só que um cão vira-latas, pirento, virando latas, à cata de restos de comida para não morrer ainda mais esquálido...
Não, Tristeza, não me desculpe, enterrei de vez a melhor possibilidade de ser feliz, a possibilidade de ter o mundo nas mãos, nas mãos que continham múltiplas funções...
Freud escreveu em algum lugar que: “não há nada mais difícil de suportar do que uma sucessão ininterrupta de três lindos dias...” (acho que li isso no ‘A Felicidade desesperadamente’ do André Comte-Sponville), imagine Tristeza, a sucessão ininterrupta de semanas, meses...?
O que esperar quando nada mais depende de nós, hein Tristeza? Estarmos separados(as) da felicidade por um se?
Não, Tristeza, não me desculpe, tive a Boca adoçada com mel e não o saboreei da forma como deveria tê-lo saboreado. E hoje, Tristeza, tenho uma Boca acerba, ácida, fel a escorrer-me pelos lábios. Não fui capaz de perceber que se não a tal felicidade, ao menos a ausência de dor eu poderia viver...

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