Sophia de Mello Breyner Andresen
vai
pega uma folha de papel em branco e escreve
escreve
até sobre a saudade que invade o teu coração
ah, não pode
não pode não
o mundo está em guerra
um horror
horrível
e por onde anda
a saudade que brotava dos teus olhos ingênuos
da cor de cajá?
e aquela natureza de rio calmo
sereno
coisa de interior
de gente que nem sentiu ainda a maldade do mundo
não
não pode não
o mundo está em guerra
não dá para falar da saudade da paz
nada de paz
a pombinha branca da paz
aquela
carregando um raminho verde no bico
jaz
ali entre os escombros
debaixo daqueles destroços
na Faixa de Gaza
mataram a pomba branca
e a paz
e as crianças
e as mulheres
e os velhos
mataram.
mutaram.
mataram.
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2024.