sábado, 10 de outubro de 2020

página 57

"Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis".

Hilda Hilst


imagem colhida na internet, desconheço a autoria


abri a página no nº 57
não havia nenhuma mensagem
folha limpa
de um breviário 
revestido de ausências
hiatos e reticências

porque pairavam sobre todos os tempos 
outros tempos tão loucos, indecifráveis
a noite, o silêncio e as estrelas
mais um dia
mais outro
se seguia

a página 57 estava à espera
da escrita
do rabisco
dos desenhos e espirais do tempo
feito molas soltas
deixadas aleatórias sobre a superfície do caderno em sépia

que ela carregava pela vida afora
na vida que foi possível
que brilhava amiúde
que vibrava também adminutim
entre tréguas e
entregas

naquela página 57 escreveria sobre vinhos
nada de iras
francesinhas, risos, alegrias do momento
de uma solenidade em que se evocava
a distância transatlântica, continental
dentro de um projeto pessoal

que alimentava e recriava um mundo
fechado a sete chaves
envolto no passado
daquele tempo guardado
em júbilos de cetim
naquela avidez de ternura que nunca teve fim

a pagina 57 carregava um simbolismo
algumas cartas não enviadas em fitas atadas
um retrato imaginado 
o beijo imortalizado
na efígie em branco e preto
um antigo desejo eternizado

daquela viagem que não fizeram a paris

Porto, III - I -MMXIX

Beth Hart, Fire On The Floor



8 comentários:

  1. Aquela página 57...

    E não é que todos nós temos uma "página 57"?
    Aquela que gostaríamos de ter preenchido com
    momentos alegres e harmoniosos, nossos sonhos realizados,
    desenhado caminhos que teríamos gostado de percorrer.

    E, como sempre, minha querida Amiga, neste seu Poema
    encontramos a expressão do que cada teria gostado de
    escrever e expressar.

    A citação de Hilda Hilst, inexcedível.

    Beijos
    Olinda

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    1. Queridíssima amiga, Olinda, sua presença, sua percepção sobre a minha escrita, é de uma alegria inenarrável!

      Obrigada, semrpe. Beijinhos!

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  2. Um poema para ler e reler nas entrelinhas, um poema que abre a porta de um mundo fechado a sete chaves... Muito belo.
    Beijos.

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    1. Querida Maré Vva, obrigada pela presença, pela leitura e pela sensibilidade!

      Beijinhos!

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  3. E depois de Hilda Hjlst encontro um poema surpreendente, independentemente da página, que bom ter vindo ler. Grata-

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    1. Ana, querida, não posso dizer nada além da alegria e do meu melhor obrigada!
      Beijinhos!!

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  4. Ah!... Ler-te é um doce fascínio!

    Beijos!

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    1. Nem imagina o quanto seu comentário me deixou feliz!

      Beijinhos.

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