sexta-feira, 14 de setembro de 2012

dor velha*

"Nossa dor não advém das coisas vividas, 
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram"

                                                                    figura: joão câmara

aquela era uma dor velha
puída
tão velha que nem tinha mais idade
essa dor velha
se espalhou pela vida
pela cidade
uma dor velha

conhecida de todo mundo
disseminada pelo corpo
essa dor de tanto gritar
não mais falava
- estava rouca de reclamar -

já não mais lhe davam credibilidade
insistia que era fruto da saudade
renegada até aos confins do tempo
tinha em si uma razão de ser
bradava
por entredentes
essa mágoa resistente
que jorrava impetuosamente
do útero da terra
nevoeiro quente
espumejante
como o triunfo de um geiser
que trazia numa coluna de água e fumaça
pedestal volátil
um coração enfermo, um coração velho
como a dor que jazia escondida no peito!

-------

III - XI - MMXI

*andava impregnada pelo livro, os cus de judas - antónio lobo antunes, e gosto de dialogar com algumas palavras ou sentimentos que saltam do livro e me assaltam desavisadamente.
basta um dia - chico buarque

28 comentários:

  1. Santa Boca,

    Vim numa sequência de tuas leituras, uma melhor que a outra, me perguntando o que inspira, o que te move. Escreves com letras grandes, garrafais, de uma menina que amadureceu como escritora. E eu que te procuro nos nossos encontros literários, tiro a sorte grande, porque aqui te acho.

    Dimas Lins

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, Dimas, quanta generosidade, amigo, vindo de um grande escritor como tu, como me alegra. Tenho tentado melhorar a escrita, me deter no mundo, sair da primeira pessoa, como bem sabes das minhas queixas quanto a isso.
      Cabralinamente falando, continuarei transpirando, e não desconsiderando a inspiração, risos.

      Por falar em Ciranda Literária, finalmente estou com um pouquinho de tempo livre, seria oportuno outro encontro, vamos ver as agendas de todos?

      Abraço, obrigada pelas palavras e a presença!

      ;)

      Excluir
  2. se a dor é velha, então essa tá enraizada e doí mais, tem cicatrizes, tá tatuada tá impregnada,e. é terrível.

    gostei de ler

    boa semana
    beijo amigo

    ResponderExcluir
  3. Uma dor sempre traz resquícios de alguma outra, será, Pi?

    Beijo, querida, ótima semana igualmente!

    ;)

    ResponderExcluir
  4. Menina, um tempinho sem vir aqui, quando chego é esta chuva de flores, ou de dores. Doce inspiração, para a dor ou para a vida!!! (falo deste e dos dois poemas anteriores). Beijo!!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oras, mas que alegria lhe ver aqui, porque sei, do pouco tempo que tens, e ainda traz flores e palavras carinhosas, generosas...

      Beijo!

      ;)

      p.s.

      A Ciranda reclama de ausências!!

      Excluir
  5. Tão velha que não tinha idade,dor crónica?
    Já não lhe davam credibilidade,que era fruto da saudade!
    Mas a dor continuava e mantém-se.
    Como gerir?como enfrenta-la?
    Com muita coragem e autoconfiança.
    Gostei amiga
    Beijinho

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E o poeta administra e enfrenta a dor, virando a página do caderno, escrevendo a próxima poesia. Quantas dores "inexistenciais" estão disposta numa linha?

      Obrigada pela presença, beijinhos!

      ;)

      Excluir
  6. A dor que envelhece em nós, acaba por ser companheira na solidão, dói, mas é como a saudade de algo que já foi bom, deixemos que ela nos tome por inteiro, para que não reste espaço para as novas, que essas sim, vão doer ainda mais...
    Concordo com a opinião de Carlos Drummond de Andrade!
    Beijos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ao menos as dores velhas, nos são conhecidas, ótima perspectiva, Baby.

      Beijinhos, querida, obrigada por estares aqui.

      ;)

      Excluir
  7. Olá
    Não tenho tido grande disponibilidade (nem disposição) para visitar os blogs amigos – daí esta tão longa ausência.
    Mas um dia chega a saudade… e aí vamos nós.

    As dores, algumas, fazem parte da nossa vida desde sempre – são as dores velhas.
    Outras aparecem por motivos imprevistos, e nunca mais nos largam – são as dores novas que acabam, também, por envelhecer e nos acompanhar até ao fim dos nossos dias.

    Concordo com Carlos Drummond de Andrade, que muito aprecio.

    Um óptimo fim de semana.
    Beijinhos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Mariazita, lhe compreendo muito bem, vez em quando isso também acontece comigo.

      Uma ótima reflexão nos trazes, algumas dessas dores realmente nunca mais nos largam, viram nossa companheira da vida inteira, seja emocional, ou física, mas também não nos dobramos à elas, quando possível.

      Obrigada por estares aqui, especialmente pelos motivos que citaste, que tu estejas bem.

      Um beijo e um maravilhoso final de semana!

      ;)

      Excluir
  8. Toda dor é um pouco do que deixamos de ser...

    Poesia sensitiva, adorei!

    Um abraço e ótimo final de semana para você!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Imagina se fôssemos fazer a cartografia das nossa dores...? Pois sim, Will, é mesmo isso, "toda dor é um pouco do que deixamos de ser", do que morreu em nós (ou nunca vingou)...

      Obrigada por estares aqui!

      Um abraço e ótimo final de semana, igualmente!

      ;)

      Excluir

  9. Entre os dias e as noites
    Envelhece a dor que nos envelhece

    Enquanto a saudade que se forma
    Enegrece translúcidas utopias

    Assim se dissemina a dúvida
    Como grito ensurdecido
    Como tempos incumprido


    Bjo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fiquei a imaginar se no fundo, não temos a idade dos nossos sonhos...
      Será que algumas dúvidas têm a mesma amargura dos desejos não realizados, Filipe?

      Obrigada pela presença sempre querida!

      Beijo!

      ;)

      Excluir
  10. Respostas
    1. E nos torna eternos prisioneiros, não é?

      Beijo, obrigada pela presença!

      ;)

      Excluir

  11. Menina

    Que força esta sai deste teu poema! Impressionante! O título, a citação de Drummond, Lobo Antunes, as tuas palavras que validam tudo, fazendo-me sentir parte integrante disto, desta dor velha que vai até às entranhas, resultado de 'coisas sonhadas e não cumpridas'.

    Excelente!

    Bjs

    Olinda

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Às vezes temos a sensação de que algumas dores parecem nascer conosco, não é, Olinda?

      Beijos, querida, obrigada pela presença!

      ;)

      Excluir
  12. Que beleza...

    tinha tempo que não passeava por aqui. continua lindo...

    um beijo

    ResponderExcluir
  13. Ah, mas se fôssemos mostrar a certidão das nossas dores, todas são velhas e dolorosamente guardadas.

    Beijo

    ResponderExcluir
  14. Pois sim, querida, não quero nem pensar, as minhas, só com Carbono 14, rs

    Beijo!

    ;)

    ResponderExcluir

Prazer tê-lo/a no Canto, obrigada pela delicadeza de dispor do seu tempo lendo-me. Seja bem-vindo/a!

b17

Os cães não ladraram  os anjos adormeceram  a lua se escondeu. Dina Salústio em   Apanhar é ruim demais imagem colhida na internet, d...