"e sempre presente-ausente
como nós.
Cão que não querias
ser cão
e não lambias a mão
e não respondias
à voz.
Cão
como nós."
Manuel Alegre
não teme a solidão do escuro da noite
dentro da abstinência do teu riso
nem das cores que tropeçam
nas manhãs nascentes
rasgadas pelos caninos afiados
desocultando a indecência da luz
minha alma velha de cão
insiste em vagar insolente
no desamparo mundano
vivendo entre os homens
com os desejos dos homens
eu que tantas vezes sou como um cão
um cão solto no mundo
zanzando sem rumo
sem casa
sem dono
nos descaminhos impossíveis
por veredas confusas
carregando os vícios e o peso do tempo
vergando a axial contra o peito
minha alma velha de cão
saliva faminta o famélico instinto
gozo de bicho
na lubricidade do homem
cheiro de vida
espraiando eternidade
nas tintas das aquarelas
minha alma velha de cão
andejante
sabe lamber as feridas
flamejantes
da carne e do imo
abandonado
sozinho
no breu das praças
na dureza dos bancos
nos bafejos noturnos
nos fantasmas diurnos
que me assomam o cansaço
de uma ausência atrevida
desenhado em meus olhos
que coisa é essa em mim
que se debruça da moldura
que reverbera no espelho
esse duplo auto-retrato
que cintila nos olhos
do cão arredio
que me espreita?
--
Olinda, XVII - IV - MMXX
Charlie Parker, All the things you are
Delicioso de ler. Existe quem diga que não há vida tão boa como a vida de cão. Não acredito que assim seja. Talvez de alguns, seja verdade... de alguns...
ResponderExcluirPoema brilhante
.
Saudações amigas
Proteja-se
Poema forte, profundo,cheio de metáforas.
ResponderExcluir"minha alma velha de cão
não teme a solidão do escuro da noite",pois está tão habituado a ela, a vida do cão...
Beijos.
Mais um belo momento de poesia, em que a imagem está em completa sintonia, com o poema táo cheio de metaforas tão rico de sensibilidades.
ResponderExcluir" cão como nós"
cito Manuel Alegre
beijinhos
Bom domingo
:)
http://olharemtonsdemaresia.blogspot.com/