domingo, 21 de outubro de 2012

auroras

" a linguagem não é a tradução de um texto já formulado,
 mas se inventa a partir da experiência indistinta,
 toda palavra é sempre apenas uma ‘maneira de falar’:
 poderia haver uma outra". 
Simone de Beauvoir in  Balanço Final. p. 131

nu - ismael nery

1. não era a luz
tampouco as trevas da noite
apenas um farol solitário
emitindo raios 
alertando cruzamentos
de uma vida que pedia passagem
a todo momento
2. não era chuva
nuvem d´água ou
tempestade
apenas o vento sacudindo
as coberturas de zinco
levantando telhados
alertando toda a cidade

3. não têm um vazio
mas a silenciosa escuta
porque por dentro toda a fibra
vibra e grita e espera
auroras fecundas
como a chegada 
da língua no sexo

-----------
imany - you will never know

25 comentários:

  1. a Poesia enriquece todas as palavras expressas... mas muito mais, o "ser" do seu autor... o que lhe toca, o que transmite, a sua postura em atitude e sentimento.

    até

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    1. Bacana a sua percepção, Sérgio, o que fazemos com o que sentimos...

      Até!

      ;)

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  2. Saudades dos relâmpagos

    e das marés desgrenhadas

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  3. Também eu tenho andado um pouco afastada por motivos óbvios...
    Por isso estive dando uma olhada nos post anteriores, e só posso confirmar que a qualidade deste blog continua ALTA!

    Agradecendo sua visita, deixo votos de boa semana.
    Beijinhos

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    Respostas
    1. Obrigada, Mariazita, pelas palavras generosas e gentis, é sempre um prazer lhe ver por aqui!

      Logo mais irei ter contigo em sua página.

      Beijinhos!

      ;)

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  4. embora muito sensual, gostei deste poema.

    em jeito de comentário deixo aqui um poema de um poeta que gosto muito:

    TANGO
    O teu sexo na minha boca
    é a flor que arde: a sua chama
    explode táctil abre ruínas onde antes
    cidades se erguiam habitadas.

    Não tem medida a forma
    com que as pernas
    pontas abertas de uma estrela
    se atiram no vazio deste quarto.

    O teu sexo na minha boca
    é um canto. Sonoros seus líquidos
    abrem-me na língua um sulco fundo
    que traz a luz que espasma na tua boca
    noite a querer fechar-se lá por dentro.

    Mas nem isso me aquieta
    nem a sombra que cai nem esse grito
    chegam para calar o meu desvairo.

    O teu sexo na minha boca
    é o meu sexo: o seu cheiro
    acre que inundando
    meu corpo o abre a todo o seu espanto.

    de Bernardo Pinto de Almeida

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    1. Pi, obrigada pela presença sempre tão querida e pelo poema. Gosto muito dessa troca, dessa socialização do belo!

      Beijo!

      ;)

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  5. Três poemas que se interligam, se completam embora independentes, tem algo de diferente na sua escrita

    Bjs

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    1. Sim, são autônomos e independentes, mas tentei dar-lhes uma sequência temporal... Diferente, nego, consegues identificar essa diferença?

      Beijo!

      ;)

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  6. Poema de uma sensualidade à flor da pele que nos leva a imaginar momentos únicos,lindo.
    Beijo

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    1. Imaginar, realizar, sentir, e aí a vida fica cada vez mais linda, rs.

      Beijo!

      ;)

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  7. Algo sensual. Algo real.
    As auroras são a descoberta da luz, o triunfo sobre a penumbra, o afastar de temores...


    Beijos


    SOL

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  8. Canto da Boca

    Tanta verdade se apreende da citação de
    Simone de Beauvoir. A palavra, objecto volátil e contudo tão palpável na sua essência, agora se apresentando com umas vestes e logo a seguir transmudando-se completamente. Na persecução do seu sentido, 'real' ou figurativo, nas suas voltas de luz e sombra, viajamos nestas auroras que nos fazes pressentir. Seguimos um fio condutor que nos leva ao princípio da vida.

    Belo!

    Bom fim de semana.

    Beijinhos

    Olinda

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    1. A palavra é volátil, de fato. Ao mesmo tempo em que é frágil, e fugidia, é ambiguamente sólida; algumas vezes corta como uma faca; fere como um punhal e adoça como o mel...

      Obrigada, Olinda, um beijo e uma ótima semana, querida!

      ;)

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  9. Minha querida

    Que dizer quando o belo grita em cada palavra e a sensibilidade de quem os escolheu é poesia que a tua alma sente.
    Parabéns...é apenas o que consigo dizer.


    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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    1. Obrigada, Rosa, é uma alegria quando sabemos que a poesia nossa, tocou alguém como tu!

      Beijinho, ótima semana!

      ;)

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  10. .



    O cara não sai sem ela.
    Vive por ela, mas quando
    olha o que ela acha que
    não deve, Jesus do céu!
    O mundo vem abaixo...

    Amanhã, no meu blog.

    Espero você.

    silvioafonso





    .

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    Respostas
    1. (Só há "uma" saída, pois que ele a satisfaça, rs)

      Obrigada pela presença.

      Até!

      ;)

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  11. I.

    Dizem que tudo já foi escrito
    Mas tal não significa que que tudo seja rescrição


    II.

    Existem características características da tua poesia (redundância intencional)

    Por exemplo, as belas, profundas e muito interessantes citações com que, habitualmente, inicias os poemas,

    Essas citações são muitas vezes mote,
    às vezes são enquadramento,
    outras vezes até justaposição

    A citação que precede "Auroras" ilustra, literal mas também abstractamente, o que venho dizendo

    "a linguagem não é a tradução de um texto já formulado,
    mas se inventa a partir da experiência indistinta,
    toda palavra é sempre apenas uma ‘maneira de falar’:
    poderia haver uma outra"


    A capacidade de reinventar, reescrever é um dos traços que define a (boa) poesia


    III.

    Todavia, afirmo-o, nem todo se mostra escrito
    Assim como nenhuma palavra tem palavra igual

    Assim também o espaço para a surpresa existe também, ainda e sempre, na tua poesia.

    "Auroras", é exemplo.

    A dispersão (escada sequencial) dos versos no papel
    A absoluta autonomia e interdependente relação
    de cada um dos 3 espaços (de versos) que compõem o poema
    A respectiva estruturação (pensada e conseguida)

    Por exemplo, observável na simetria dos dois primeiro espaços

    não era a luz/ não era chuva/
    tampouco as trevas da noite/nuvem d´água ou
    tempestade
    apenas um farol solitário emitindo raios/apenas o vento sacudindo as coberturas de zinco

    Que se entrelaçam e se cruzam no terceiro espaço

    Não têm um vazio
    mas a silenciosa escuta
    porque por dentro toda a fibra
    vibra e grita e espera
    auroras fecundas


    IV.

    Um belo, pensado e muito conseguido "trabalho poético de estruturação"
    num todo (poema) que faz pensar e demorar na sua interpretação.

    momento em que a minha interpretação se poderia seguir nesta análise,
    mas não o será,
    porque cada aurora tem o tom dos olhos que a vêm.

    Bjo.


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    Respostas
    1. Filipe, querido, se algum dia eu ousar publicar um livro de poesias, gostaria que tu o prefaciasses...

      I.
      Dizem, mas aí quando leio-te, desconfio desse tudo, porque a sensação e a emoção que sinto é primieva, sempre nascida naquele instante...

      II.
      E algumas vezes, provocação, noutras experimentação, estou num momento excepcionalmente experimentalista com as palavras e com sentimentos mais universais, parte dessa minha natureza transmutante.

      III.
      Filipe, desde o primeiro instante perscrutaste o subjacente da minha escrita, tens a capacidade de ouvir os sons das linhas que traço, aquilo que deveria ser inaudível, para ti retumba. Aquilo que nunca disfarçarei, atinges sempre o âmago, das palavras, dos sentidos e dos sentimentos imbricados... E vai além, não ficas apenas na análise do dito (e do não dito), passeias pela estrutura do poema, com a mesma autonomia que as palavras me escapam dos dedos; senhoras de si; dos meus sentimentos, e sais me decifrando, desvelando, os meus eus: eu-palavra; eu-sentidos; eu-sentimentos espalhados, estraçalhados, limitados, amontoados nos três espaços que construí, intencionalmente oscilantes, como a vida; essas subidas e descidas com as quais nos deparamos rotineiramente; as nossas escadas, para cima e/ou para baixo; para o céu ou para o inferno nosso de cada dia (estamos rodeados de poesia, basta prestarmos um pouco mais de atenção à vida). Sensacional tudo o que me dizes!

      IV.
      Não poderias ter um melhor desfecho que esse: "cada aurora tem o tom dos olhos que a vêm", eu desejo que as suas auroras sejam as mais belas possíveis!

      Muitos beijinhos para ti, querido!

      ;)


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  12. "silenciosa escuta" é atitude das mais sábias que há!

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