(imagem recolhida da net) Vivo meu equinócio à revelia da vontade de Zênite, dias e noites se completam sempre com as mesmas vulgares ocorrências: nuvens serenas de poeiras, ventos leves, plumas airosas, alguns meros pontos de luz à risca dos olhos, embore admire o espetáculo monocromático das folhas secas que vagueiam perdidas entre bosques, praças e avenidas com árvores solitárias despidas de suas vestes. A íris a confundir-se com as cores indiferentes, frias e distantes do outono, estação do ano que quase me paralisa de tão bela que é, respiro devagar e cuidadosamente para não ser tragada pelo ocre das alamedas, caminho lentamente, mãos no bolso do casaco, com frio - esse fiel companheiro -, acompanho com o olhar o vai e vem das folhas que se soltam dos galhos como idéias porosas, e o pensamento em semi-círculos, dando volteios acrobáticos em torno de imensas saudades.
As pessoas passam por mim cerradas em seus próprios devaneios, suas lembranças, quem sabe suas dores, servindo de grades que impedem aproximações e o tempo gesta sentidos e sentimentos vastos em mim, disfarço-me em sombras como quem se esgueira por entre as folhagens densas dos jardins que sequer conheço, invento-me flores e cores, numa inútil tentativa de sobressair da multidão terracota que passa apressadamente à minha volta.
E nessa meditação sem fim, o vento arranca de mim, a última lembrança tua, quantas palavras sepultaste nesse dorido silêncio, nós que rompemos barreiras, destruímos abismos, clareamos cegueiras, hasteamos bandeiras; nós que fomos uma só tribo, barro, água, betume, azeite, sal; carvão, a nossa descoberta do fogo; cobre, cobalto, chumbo, zinco; lápis-lázuli, carbono, cádmio, crómio, titânio, mercúrio, hematite, todos os pigmentos em mescla, resultavam na nossa cor: amor-terra!
Ainda nas cavernas falávamos um idioma só, bebíamos em um só cântaro, cantávamos sinfonias com ardor. Fizemos dos nossos sonhos plantas imorredouras, costuramos os dias com a linha do horizonte, equilibrando a ilusão, num ponto eqüidistante, e nesse espaço itinerante, nossos já desfigurados semblantes, no orvalho da lonjura, são meros figurantes desse outono infinito.
Então vesti meu vestido mais bonito, aquele de cor encarnada, bordado de esperança, busquei um ponto do céu, enrolei num pedacinho de papel, salpiquei a doçura do mel e enviei no vento, vaticinei em solfejo: quando contemplares as estrelas, taciturno, ou em enlevo, aquela que se destaca entre todas, a mais brilhante, com total vicejo, sou eu lhe mandando um beijo. Inda diante do peso do que longe vai, do que tão longe está, a alma pesa como a luz, pensamento transfigurado, deixo teu sorriso guardado, calcinado, na caixinha do meu coração. Tento subverter os sonhos que me circundam, carrego-os com passos lentos, entre gestos e rituais, esses pequenos sinais, dilemas, que inevitavelmente terminam em poemas.
Quem me acompanha? Chet Baker, Autumn in New York... Vamos sentir!