sexta-feira, 18 de abril de 2008

O QUE VOCE FAZ PARA ACABAR COM O ANALFABETISMO NO BRASIL?



Dos meus pais sempre sofri influência direta em tudo, para além, muito além da genética... Uma das grandes preocupaçõe deles sempre foi o de nos proporcionar o melhor, de acordo com as suas posses...
E para isso contrataram uma professora do centro urbano mais próximo da nossa fazenda e a sala de aula era equipada com as "ferramentas tecnológicas" da época: quadro negro, gizes coloridos, cartilhas, tabuadas, papéis, réguas, cadernos, lápis coloridos, grafites, cartolinas, apagadores, cola, tesouras, revistas "Cláudias", jornais.... E uma palmatória! Que eu sempre escondia e deixava a professorinha nervosa... Eu tinha horror à essa prática violenta e autoritária, mas fazia parte do contexto.

- Mas camarada Jota Jota, deixa todos os outros coordenadores escolherem sua área de atuação, como sei que ninguém vai querer mesmo a Região 4, que é canavial a dentro, os Engenhos são sempre renegados... Se alguém quiser, aí vamos ter que acordar...

- Camarada V.C., embora eu particularmente preferisse que você assumisse a área dos Engenhos, não sei se isso será de fato o melhor pra você. Sabes das dificuldades das estradas, no inverno é impossível fazer qualquer formação, visita ou o que seja! Depois os horários são quase sempre noturnos, depois que os trabalhadores e trabalhadoras voltam do eito. E daqui pra Olinda, demora tempo, além do tempo pra chegar nos engenhos, as reuniões, as formações... Quando chegares em casa, lá se vão pra bem 01:00h...

- Tás me desconhecendo, camarada? Eu lá sou de correr da luta? Não abro mão dos "meus" engenhos (tenho uma relação de posse com os espaços aula/espaços educativos).

- Então tá! Os engenhos são seus.
- E o sonho da justiça social é nossos e fazê-lo acontecer, também.

Foi o que eu escolhi fazer na vida, pra vida: Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, seja nos espaços formais, seja nos não-formais, desde que seja com essas gentes.

Uma educação pautada nos movimentos populares, de resistência, uma educação como instrumento de mudanças, educação como elemento primordial e fundamental para o processo organizativo das massas incluídas de forma perversa na sociedade, educação para a classe trabalhadora, educação como um processo e ferramenta essencial de construção de cidadania, muitas vezes subtraída por quem está no poder e deveria garantir esse direito: "É dever do Estado brasileiro garantir a todos os cidadãos o ensino fundamental gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria" - Artigo 208, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

Mas para mim, para a cidadã, a mulher, a mãe, a profissional, a amiga, a filha, a esposa, a aluna, esse compromisso não é só do Estado Brasil, é também uma responsabilidade nossa, de quem não está na esfera do poder público, mas temos poder tanto quanto. Embora as autoridades brasileiras devam mobilizar esforços, aplicar os recursos financeiros e honrar sua existência, para eliminar o analfabetismo e tornar universal o ensino.

Trabalhar com Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, é mais que uma realização profissional, é o sentido o significado e a significância da minha existência, é o "meu estar sendo no mundo". É com esse trabalho que ajudo a construir identidades, relações desses sujeitos com o mundo do trabalho, da cultura, com a perspectiva de contribuir para um mundo melhor, mais justo, mais humano, mais eqüitativo e mais feliz.

Só quem trabalha com as gentes da cana-de-açúcar e participa dessa realidade, sabe o quão dura e nada doce, ela é. A exploração do homem pelo homem não é apenas um jargão político-histórico-social, é algo real e doloroso; tanto para quem vive essa relação de subserviência, sujeição, semi-escravidão; como para quem não aceita essa exploração secular, como eu e tantos (as) outros (as) companheiros (as) de luta. Na Zona da Mata de Pernambuco, poucas coisas mudaram. A terrível realidade da cana não é só mote de novela de uma poderosa rede de tv no Brasil não, é vida real; gerações são exploradas sem nenhuma perspectiva de mudanças, a caldeira em chamas não queima apenas a cana, mas a vida, o futuro de homens e mulheres que têm seus direitos subtraídos por pessoas que são esclarecidas (pasmem!), um ciclo desumano. Além de comprometer a capacidade de uso da terra, tornando-a mais pobre a cada colheita da cana....

... E tenho um pedido em particular para os (as) educadores (as) do nosso país: vamos nos comprometer "com a construção de outras relações econômicas, políticas, institucionais, interpessoais, emocionais e cognitivas" (especial menção ao meu Mestre Joao Francisco de Souza, entre outras atividades, era professor da UFPE, e coordenador do NUPEP - Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, da Universidade Federal de Pernambuco, com quem tive o privilégio de trabalhar e com ele aprender muito), e foi assassinado na noite de 27 de março, em Camaçari, quando ia fazer uma Formação.

Por enquanto saí dos espaços-aula-formações, porque estou num outro projeto, vim aprofundar minhas pesquisas, aqui, em três anos e meio, retorno para o meu país, para os canaviais, para a Zona da Mata Sul/Norte do meu Pernambuco, para as minhas minhas gentes, as minhas cores, os meus sabores...
A influência começou lá na fazenda dos meus pais, e ao longo da minha vida fui sofrendo outras, e ao optar por Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, demonstro a minha escolha para toda a vida, não concebo uma educação indiferente às necessidades dos (as) educandos (as), que por um motivo ou outro estão, estavam e poderão estar fora dos processos educativos, sejam eles formais ou não. É uma escolha política. A minha escolha político-pedagógica.

Educação Básica para quem precisar e desejar; "Educação Básica para as maiorias das populações rurais e urbanas de nossas sociedades pluriculturais, que desejam se transformar em multiculturais por meio da interculturalidade, para que a sua transculturação seja uma transfiguração do humano da humanidade e da natureza, e todas e todos nos tornemos mais ricos, material e simbolicamente." (SOUZA, 2004).

Sim, eu tenho o nefelibatismo em mim. Mas talvez seja o meu mote.

10 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  2. Minha querida, lendo o seu texto a gente renova a esperança em valores como solidariedade, cooperação e amor.
    Vc tem sido uma das mais agradáveis surpresas neste mundo dos blogs. Só posso desejar que numca perca a fé em seus ideais e que continue esta luta, pouco reconhecida mas altamente necessária a tantas pessoas.
    Um grande beijo e minha admiração!

    ResponderExcluir
  3. Não mudo uma vírgula do que você disse e assino em baixo. A sua forma de escrever, que era ótima, agora está MUITO BOA! E a sua versatilidade como escritora, nos demonstra a qualidade de quem, não lidando exatamente com a estética do verso, tem a poesia na alma. Você se tornará o tipo de escritora que me fará querer ler da primeira à última página do livro em pouco espaço de tempo, seja qual for o seu formato. (Beijos e saudade tb... Zinha)

    ResponderExcluir
  4. Assino também, e digo mais: se todas fossem iguais a você.
    Beijos e saudades também, igual a todos que lhe conhecem e não podem estar com você.

    ResponderExcluir
  5. Gosto muito de quem toma posição e a sustenta, com consciência e sem qualquer sombra de dúvida. Parabéns pelo texto muítíssimo bem elaborado e pela "escolha para toda a vida"; pela sua "escolha político-pedagógica".

    ResponderExcluir
  6. A força que emana desta tua postagem já mostra que estamos diante de uma pessoa forte, que luta apaixonadamente por aquilo que acredita, que sabe colocar nas atitudes o seu ato de fé, uma guerreira que defende suas idéias com a extrema convicção daqueles que sabem extrair da vida o seu precioso sumo. Mas ao aprofundarmos mais nos teus escritos nos vemos diante de uma mulher dócil, amorosa, sensível, portadora de um coração que consegue envolver amorosamente os semelhantes e uma alma totalmente inundada de poesia.

    Descobrimos isso tudo quando mergulhamos nesse vasto mundo que nos entregas dentro da tua escrita profundamente vivida.

    A sensualidade de alguns dos teus poemas, a doçura e singeleza de outros, os textos tão lindamente construídos, inundados de vigor e da mais pura poesia, as imagens tão bem escolhidas, a originalidade dos excertos musicais ao final de cada postagem, tudo isto vem enternecer nosso olhar já tão inundado com a tua magia.

    A paixão com que falas da tua cidade é algo de encantar o coração. Enterneceu-me ver até uma receita de torta de limão (rs) num post tão delicado, com gostinho da mais pura amizade.

    Enternecedor foi também o primeiro comentário desta postagem... uma declaração de amor de extrema delicadeza e profunda sensibilidade. Que os anos só façam aumentar os sentimentos que hoje permeiam essa relação que transparece tão profunda e tão bonita.

    Enfim, só me resta dizer que aqui cheguei pelas mãos da Loba, uma pessoa generosa ao apontar os caminhos que a sua doce e florida alma percorre nesse mundo blogueiro, tão cheio de agradáveis surpresas.

    Deixo-te sorrisos de mimosos anjos, pétalas de flores colhidas no regaço de lindas fadas, e um beijo do meu para o teu coração, com votos de dias lindos na tua vida.

    ResponderExcluir
  7. Eu também quero dar o meu testemunho.
    Que você me impeça de estar próximo de ti, eu não posso impedir, mas você não pode me impedir de dizer que sei exatamente do que você está falando. Sei da sua paixão pela sua profissão, acompanhei de perto o seu choro quando falava da exploração, quando sua indignação era prova da sua insatisfação com a educação feita por tanta gente incompetente, como era a sua queixa. Mas da educação que você dizia ser a decente, a participativa, a educação que vai pelo campo do debate da conscientização e da autonomia, como tantas vezes eu ouvi você falar e se emocionar.
    Tou longe, mas estou perto.
    Sucesso sempre.

    ResponderExcluir
  8. ainda a cá, assobiando a felicidade com ella

    ResponderExcluir
  9. Eu quero ser alfabetizado por você, vai me ensinar ainda mais solidariedade, amizade, respeito e ideologias.
    Ah, Santa Boca de Olinda, sou também tão seu grande fã.
    Beijos, linda.

    ResponderExcluir
  10. Você tem muitos poderes, não apenas o dom da retórica, mas a emocionalidade nas palavras, foi sempre assim. Isso encanta qualquer pessoa, Boca, a emoção e a responsabilidade que você coloca em todos os espaços da sua vida.

    ResponderExcluir

Prazer tê-lo/a no Canto, obrigada pela delicadeza de dispor do seu tempo lendo-me. Seja bem-vindo/a!

Gaza

                                      Gaza imagem colhida na internet (desconheço a autoria) A paz sem vencedor e sem vencidos Fazei Senhor ...