
Dos meus pais sempre sofri influência direta em tudo, para além, muito além da genética... Uma das grandes preocupaçõe deles sempre foi o de nos proporcionar o melhor, de acordo com as suas posses...
E para isso contrataram uma professora do centro urbano mais próximo da nossa fazenda e a sala de aula era equipada com as "ferramentas tecnológicas" da época: quadro negro, gizes coloridos, cartilhas, tabuadas, papéis, réguas, cadernos, lápis coloridos, grafites, cartolinas, apagadores, cola, tesouras, revistas "Cláudias", jornais.... E uma palmatória! Que eu sempre escondia e deixava a professorinha nervosa... Eu tinha horror à essa prática violenta e autoritária, mas fazia parte do contexto.
- Mas camarada Jota Jota, deixa todos os outros coordenadores escolherem sua área de atuação, como sei que ninguém vai querer mesmo a Região 4, que é canavial a dentro, os Engenhos são sempre renegados... Se alguém quiser, aí vamos ter que acordar...
- Camarada V.C., embora eu particularmente preferisse que você assumisse a área dos Engenhos, não sei se isso será de fato o melhor pra você. Sabes das dificuldades das estradas, no inverno é impossível fazer qualquer formação, visita ou o que seja! Depois os horários são quase sempre noturnos, depois que os trabalhadores e trabalhadoras voltam do eito. E daqui pra Olinda, demora tempo, além do tempo pra chegar nos engenhos, as reuniões, as formações... Quando chegares em casa, lá se vão pra bem 01:00h...
- Tás me desconhecendo, camarada? Eu lá sou de correr da luta? Não abro mão dos "meus" engenhos (tenho uma relação de posse com os espaços aula/espaços educativos).
- Então tá! Os engenhos são seus.
- E o sonho da justiça social é nossos e fazê-lo acontecer, também.
Foi o que eu escolhi fazer na vida, pra vida: Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, seja nos espaços formais, seja nos não-formais, desde que seja com essas gentes.
Uma educação pautada nos movimentos populares, de resistência, uma educação como instrumento de mudanças, educação como elemento primordial e fundamental para o processo organizativo das massas incluídas de forma perversa na sociedade, educação para a classe trabalhadora, educação como um processo e ferramenta essencial de construção de cidadania, muitas vezes subtraída por quem está no poder e deveria garantir esse direito: "É dever do Estado brasileiro garantir a todos os cidadãos o ensino fundamental gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria" - Artigo 208, inciso I, da Constituição Federal de 1988.
Mas para mim, para a cidadã, a mulher, a mãe, a profissional, a amiga, a filha, a esposa, a aluna, esse compromisso não é só do Estado Brasil, é também uma responsabilidade nossa, de quem não está na esfera do poder público, mas temos poder tanto quanto. Embora as autoridades brasileiras devam mobilizar esforços, aplicar os recursos financeiros e honrar sua existência, para eliminar o analfabetismo e tornar universal o ensino.
Trabalhar com Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, é mais que uma realização profissional, é o sentido o significado e a significância da minha existência, é o "meu estar sendo no mundo". É com esse trabalho que ajudo a construir identidades, relações desses sujeitos com o mundo do trabalho, da cultura, com a perspectiva de contribuir para um mundo melhor, mais justo, mais humano, mais eqüitativo e mais feliz.
Só quem trabalha com as gentes da cana-de-açúcar e participa dessa realidade, sabe o quão dura e nada doce, ela é. A exploração do homem pelo homem não é apenas um jargão político-histórico-social, é algo real e doloroso; tanto para quem vive essa relação de subserviência, sujeição, semi-escravidão; como para quem não aceita essa exploração secular, como eu e tantos (as) outros (as) companheiros (as) de luta. Na Zona da Mata de Pernambuco, poucas coisas mudaram. A terrível realidade da cana não é só mote de novela de uma poderosa rede de tv no Brasil não, é vida real; gerações são exploradas sem nenhuma perspectiva de mudanças, a caldeira em chamas não queima apenas a cana, mas a vida, o futuro de homens e mulheres que têm seus direitos subtraídos por pessoas que são esclarecidas (pasmem!), um ciclo desumano. Além de comprometer a capacidade de uso da terra, tornando-a mais pobre a cada colheita da cana....
... E tenho um pedido em particular para os (as) educadores (as) do nosso país: vamos nos comprometer "com a construção de outras relações econômicas, políticas, institucionais, interpessoais, emocionais e cognitivas" (especial menção ao meu Mestre Joao Francisco de Souza, entre outras atividades, era professor da UFPE, e coordenador do NUPEP - Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, da Universidade Federal de Pernambuco, com quem tive o privilégio de trabalhar e com ele aprender muito), e foi assassinado na noite de 27 de março, em Camaçari, quando ia fazer uma Formação.
Por enquanto saí dos espaços-aula-formações, porque estou num outro projeto, vim aprofundar minhas pesquisas, aqui, em três anos e meio, retorno para o meu país, para os canaviais, para a Zona da Mata Sul/Norte do meu Pernambuco, para as minhas minhas gentes, as minhas cores, os meus sabores...
A influência começou lá na fazenda dos meus pais, e ao longo da minha vida fui sofrendo outras, e ao optar por Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, demonstro a minha escolha para toda a vida, não concebo uma educação indiferente às necessidades dos (as) educandos (as), que por um motivo ou outro estão, estavam e poderão estar fora dos processos educativos, sejam eles formais ou não. É uma escolha política. A minha escolha político-pedagógica.
Educação Básica para quem precisar e desejar; "Educação Básica para as maiorias das populações rurais e urbanas de nossas sociedades pluriculturais, que desejam se transformar em multiculturais por meio da interculturalidade, para que a sua transculturação seja uma transfiguração do humano da humanidade e da natureza, e todas e todos nos tornemos mais ricos, material e simbolicamente." (SOUZA, 2004).
Sim, eu tenho o nefelibatismo em mim. Mas talvez seja o meu mote.