
Tarragona me parece uma cidade triste, velha - e é, é a mais antiga cidade de Hispânia - cansada, com sua monocromática cor, desbotada. Até as árvores são ocre. A cor que predomina é a terracota; dizem que é por causa do frio, impede de entrar nas casas e nos congelar. Não funciona muito bem pra mim, porque mesmo bem agasalhada, sinto um frio imenso, daqueles de congelar a alma. Vai ver é isso, ando com a alma gelada, até adpatar com tudo, já vai estar na hora de voltar.
Tenho adquirido novos (ou retomado velhos) hábitos, caminhar a esmo pelas cidades. Foi assim em Granada, e é assim em Tárraco. Deparo-me com coisas curiosas e grandiosidades jamais pensadas.
Ontem à noite fui à Tárraco Romana, saí caminhando por uma dessas calles bem largas que tem na cidade, subi, desci rua, um estirão só, e quando absorta, levantei o olhar, deparei-me com uma imensa muralha de pedra, em pleno centro da cidade. Pasmei, era uma construção romana do século II, atravessei pela greta, e do outro lado, vislumbrei uma urbe, passado e presente convivendo harmoniosamente, por onde meus olhos passeavam, eu via o passado (da cidade e o meu), e uma sensação de conforto me aqueceu. Era como se eu tivesse encontrado naquelas pedras seculares e fortes, a minha própria fortaleza. Como se um quê de indestrutível me circundasse (e circula, meus sonhos são indestruíveis), e nada naquele momento me faria sofrer. Aqui, tem muito de arqueológico, até a matiz das folhas das árvores, são num tom areia, a impressão que se tem é que não há um motivo para colorir, a natureza colabora para o monocromatismo local.
(E há a sinfonia dos pombos, até seu arrulhar é melancólico, uma canção duma nota só. Tristes pombos. Que sem descanso algum cantam o dia inteiro para mim, na copa das árvores desbotadas que beiram a quadra de esporte, da escola ao lado da residência).
Na volta, andei pela Rambla Nueva observando as luzes e as imagens que se formavam; as construções antigas placidamente convivendo com o moderno; parei numa loja de conveniências e comprei um saca-rolha e chocolates. É, dei pra comer chocolate agora, ando adoçando a minha vida da maneira que posso, porque o doce que me alimenta não se encontra na Europa.
Mas estou preparada para tudo (mesmo?), não excluo quase nada, nem o mais enigmático, o não compreensível, estou me dando todas as possibilidades que eu possa me dar (excetuando trair meus sentimentos e as pessoas que eu amo), em dimensões maiores e menores, quero conhecer todas as paisagens da janela, quero movimentar-me nos espaços infinitos que criei, quero manter-me corajosa diante de tudo que parecer estranho, suportar todas as minhas tristezas, e não deixar fugir as coisas quietas. Porque essas são a minha bússola, o meu rumo. É essa quietude que me ordena, que me conforta, e que me mantêm ereta. Elas são a certeza que alimenta meu sorriso e dá brilho a cor amarelo-cajá da minha iris. Por enquanto, apenas conto e vivo todas as manhãs que se iniciam e o entardecer que anuncia o momento de encontrá-las e ratificar nosso inquebrabantável elo. Mas ainda tenho que viver as noites frias e os ventos (como lâminas cortantes) que sopram pelas árvores e a saudade crucial que me faz vagar entre as estrelas, na imensidão...