João Cabral e eu contemplávamos o "cão sem plumas" Só sendo coisa de signo mesmo, cabra, capricórnio, equilibrar-se no pico das montanhas e como elas também “aprender a comer pedras”, que as educaram. João, elas não são apenas idéias, ou, 'legítimas representantes de uma força sertaneja e do solo pedroso da região', elas são o excesso de todas as faltas e carências, até as pessoas estão se tornando pedras, sequer destilam uma “palavra seda”, ou uma palavra mais doce, rapadura. E sem a ternura, não restará um dia, 'pedra sobre pedra'. Estão todos petrificados, a vida virou uma coisa tão banal e deu lugar à morte que é noticiada todo dia no jornal, há muito não se morre de morte morrida, agora a moda feia é morrer mais de morte matada, essa 'antes dos vinte', por causa de uma tal emboscada social. João mata-se por nada, por um tênis, por um trancilim de prata, principalmente por uma coisa que se chama desigualdade, seja no canavial ou na cidade. O tempo é cheio de faltas: de respeito, de comida, de ética, de igualdade, de justiça e até de chuvas. Que falta faz um falar mais... Sertanejo? Uma palavra mais temperada, mais fruta-da-terra, com aquele sabor cajá, graviola ou mangaba? Nem sequer as palavras bóiam num papel, nem em um copo com água ardente, limão e mel. O que bóia cada vez mais, João, são corpos que um dia sonharam em ser pessoas, Capibaribe acima, Capibaribe abaixo. Outro dia mesmo eu estava observando uns polícias com arma(s) nas mãos empunhando, e pela Rua do Sol, tão escaldante, correndo, atrás de crianças, que numa dessas barruadas da vida, sem querer se enroscaram na bolsa de uma senhora e caíram de roupa e tudo dentro do Capibaribe, e foram nadando, nadando, até a bala dos polícias se perderem, eles estavam cheios de medo, eram dois desamparados da vida e fiquei torcendo pelas crianças tão desmilingüidas, porque a fome, essa impiedosa, atravessava seus estômagos; e se embrenharam no rio, como se fossem 'cães sem plumas', e apareceram um tempinho depois lá do outro lado da ponte, que pontuava a linha do horizonte perdido por elas. Acho que nem jogar feijão na panela, eles sabem, porque não tem feijão, quanto mais palavras no papel, para eles tudo 'é oco, como o eco', nem sabem o que é 'flor, abelha; nem azul, nem cor-de-rosa', só da água suja, fétida do Caapiuar-y-be na altura da Rua da Aurora e que vai descendo, descendo, o rio, que, algumas vezes encheu e transbordou, ‘porque estava cansado de ser comprimido pelas margens’, assim como as crianças e as pessoas estão cansadas de serem marginalizadas, de serem lamas, caranguejos, ostras e estigmas com seus 'olhares-de-peixes-mortos', brilhantes como uma ‘lâmina só faca’, que lhe dão abundantemente ferro e balas. Ao menos plantaram flamboyants vermelhos ao longo de uma das margens do Capibara-ybe e seus galhos magros quase cor de lama, vez por outra dão sombra para os quase-humanos que sobrevivem da/na lama desse caudaloso rio, essa capivara líquida. Ah, João...
Lenine, Nine, Lê, não importa como eu o chamo, mas sempre o chamo para estar comigo e embalar-me e nessa hora tão "capibaribenha" nação, escuto, A Balada do Cachorro Louco - Lenine, Lula Queiroga e Chico Neves: "eu não alimento nada duvidoso..." cantemos!