domingo, 2 de abril de 2017

Cafécentrismo

“Nasci de criaturas simples, 
instruídas naquela sabedoria que se adquire pela experiência e
 se advinha pelo senso comum”.
Clarice Lispector em Obsessão

imagem: arquivo pessoal

Acordo e ponho um disco do Leonard Cohen para tocar.
Despertei com o dia cinzento também em mim.
Terá sido a influência do céu tão pesado que paira sobre a cidade? O clima frio, invernal e as gotas de chuva que mal se anunciam, já se vertem líquidas?
Não sei.  
Antes de pensar e pesar os acontecimentos da semana que passou, preparo um café. Desses bem pretos, fortes, encorpados, quero o amargo do café preenchendo os vãos das minhas papilas gustativas, que é para ver se a vida guardada a sete chaves, desperta urgente e acontece na mesma proporção do desejo espraiado pelo corpo todo. Na tentativa de que seja ela mesma, a vida, a liga dos meus fragmentos.
Estou cada vez mais partículas de mim.
Estou cada vez mais apartada de mim.
Estou cada vez mais partida de mim.
Estou cada vez mais fluída em mim.
Num andamento um tanto quanto distraído e com uma visão incerta.
Já não sei mais me definir.
Desconfio que até o fim da minha existência o tempo não será suficiente para saber quem sou.
Volto ao meu cafécentrismo, porque é dele que tudo parte: as confissões, as confusões, os dilemas e as delícias de uma caminhante que não sabe o fim da estrada, cada vez mais densa e cheia de névoas, impedindo de ver o abismo ou o jardim florido, quiçá?
Uma coisa eu sei: estou sempre disposta a prosseguir.
“Nasci de criaturas simples, instruídas naquela sabedoria que se adquire pela experiência e se advinha pelo senso comum”.
Talvez seja essa uma das maiores lições que aprendi dos meus pais.
Recomeçar sem o peso do vivido. 
Tentar guardar apenas o valor da experiência.
Estou esvaziada.
Que venha a poesia nossa de cada dia.

Olinda, II - III - MMV

Leonard Cohen, Dance Me to The End Of Love

2 comentários:

  1. Olá, Cantinho

    Sempre disposta a prosseguir: aqui reside a força e a esperança.
    Também eu tenho essa sensação, nem toda a vida é suficiente para eu me conhecer, para me definir. Entretanto, os dias e as noites vão se sucedendo, com a certeza de que o Sol nasce todos os dias mesmo que nem sempre o vejamos, encoberto que poderá estar pelas nuvens.

    Bj

    Olinda

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  2. Habitar-se. Ajeitar-se.




    Necessário!





    beijo

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Prazer tê-lo/a no Canto, obrigada pela delicadeza de dispor do seu tempo lendo-me. Seja bem-vindo/a!

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