quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

exaurida

"E respeito muito o que eu me aconteço. 
Minha essência é inconsciente de si própria 
e é por isso que cegamente me obedeço".
Clarice Lispector in Água Viva. p. 29

henry fuseli (Johann Heinrich Füssli) - pesadelo

Volto no tempo e nos lugares em que fomos felizes, e nada resta, a não ser os vultos, os espectros daquilo que fomos, e os vãos, os buracos, os espaços vazios de tudo que um dia fomos e sonhamos, só abismo, só silêncio, só silêncio e morte.

Me ultrapassei nesse sentimento, fui além de mim, além de onde eu deveria ir. Mas como saber onde parar, se perdi a noção de medidas? Não tenho mais para onde ir.

Ligo o rádio porque não quero me escutar, prefiro ouvir qualquer outro  barulho, qualquer  coisa me afaste de você, que me leve para bem distante de tudo o que sinto. Que me esvazie que me esprema e que transforme vísceras e sangue, em vento ou nuvem, e carregue para bem distante daqui.

Não quero mais os espasmos do mundo; não quero mais nem antes, nem depois; não sei bem o que sou ou o que sinto agora. Tudo é contradição, ora fogo, ora solidão; ora dor, ora emoção. Coisas que não sei dizer.

Estou exaurida. Estou esgotada. Quero dormir e acordar daqui a dois mil anos.

Olinda, XXXI - I - MMXIV

Miles Davis, Tenderly

23 comentários:

  1. Estamos sempre a desnascer

    no ciclo das marés

    na memória das palavras

    Bj

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    1. E a renascer na manhã seguinte, escrevendo outras outras memórias...

      Beijo, Eufrázio!

      ;))

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  2. o tempo entardecente cansa
    assim como cansativo é o tempo antecedente

    nessa ambiguidade exaurida se resta
    suspenso-tempo


    impressivo e forte

    bjo.

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  3. Também eu tenho momentos em que me sinto " exaurida " Volto muitas vezes ao passado por muitas razões; somos fruto dele e muitas vezes vamos lá para buscar um lugar onde " fomos e sonhamos "; mas., concordo, "nada resta " a não ser as lembranças, algumas das quais quereríamos " enterrar "para sempre; isso não acontece e por vezes voltam constantemente à nossa cabeça , atormentando-nos. . Ficamos, sim, " exauridas " esgotadas, querendo fugir; mas, não adianta fugir, o passado acompanhar-nos-á sempre. lembrando-nos que estamos aqui graças a ele e com ele temos de viver este presente. Nem sempre as memórias dos lugares " em que fomos felizes ", das emoções que nos fizeram sonhar e delirar, conseguem afastar a lembrança das dores que vivemos, das desilusões, dos amores não vividos ou dos perdidos e isso fica " martelando" a nossa mente de tal forma que não há ruído suficientemente forte para nos impedir nos " escutarmos ". O silêncio é bom...faz falta, mas nem sempre conseguimos aproveitá-lo para revistar aquilo que nos traz quietude e serenidade para seguirmos com este presente sem contradições...sem dúvidas...sem medos. Muito bom este " desabafo, amiga. Gostei e também desabafei. Obrigada. Um beijinho e boa noite.
    Emília

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    1. Rindo.

      Muito bom este nosso diálogo, querida, uma dialética do afago, da verossimilhança, da compreensão e do acolhimento. Algo mais ou menos como: "eu sei como é, eu entendo bem".

      Obrigada por estares aqui e pelo papo gostoso!

      Uma ótima e feliz noite, beijinhos!

      ;))

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  4. Minha querida

    Por vezes só queremos fugir para longe de nós, mas tudo o que somos vai connosco.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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    1. pois sim, não conseguimos nos apartar dos sentimentos, como se fossem corpos exteriores a nós. Tens toda razão!

      Beijos, Rosa, grata pela presença e palavras!

      ;))

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  5. Olá,o tempo pode apaziguar as dores mas não cura as feridas,ficam sempre marcas!!!!

    Um bom fim de semana!

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    1. O tempo tudo cura, mas as marcas, de fato são eternas.

      Obrigada pelas palavras e presença. Tenhas uma ótima semana!

      ;))

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  6. exaurida e dorida...

    em um tempo, outro, ou este ou noutro ainda, todos nós nos sentimos assim.

    um sorriso para ti...

    :)

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    1. Em alguma ocasião, penso que muitos de nós nos sentimos sim, assim.

      Outro sorriso para ti!

      ;))

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  7. por vezes, temos vontade de esquecermos até de nós mesmos, mas esta semi-morte temporária tem o poder de permitir o nasçamos novamente para uma outra vida, nos livrando da antiga pele que nos vestia, reinventando todo um mundo.

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  8. Voltarei para esta postagem. Vim deixar o link onde respondo ao teu comentário...
    http://portate-mal.blogspot.pt/2014/02/cronica-de-um-insolito-anoitecer-na.html?showComment=1392165235357#c3244086939251583301

    BJO :)

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  9. Dores da alma que desgastam o corpo e a vontade. Nos sentimentos desencontrados, na incompreensão dos compassos que marcam os instantes, tudo se desmorona. Na passagem recolhida de passos hesitantes, faz-se a leitura das horas e dos dias na dimensão da nossa impotência. Histórias de vida que nos acompanham e, paulatinamente, vão fazendo os seus estragos.

    Minha querida, um belo texto. Adoro ler-te, também, neste formato

    Beijinhos

    Olinda

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    1. Fazendo os estragos e formando-nos e às nossas histórias...

      Obrigada, sempre, amiga Olinda, um beijão!

      ;))

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  10. Boa tarde. Em matéria de Emoções, Sentimentos somos cópias uns dos Outros, mais ou menos imperfeitas. Tudo aquilo que '' idolatramos'' um dia poderá virar pó.
    Abraço.

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    1. Olá! Talvez tenhas razão, se partimos do princípio que somos todos humanos, os sentimentos são inerentes, com uma ou outra pequena diferença.
      E se o ídolo for de barro, é quase impossível que isso não aconteça. Obrigada pelas palavras e presença!

      Abraço.

      ;))

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  11. Em alguns momentos todos nos sentimos assim. Trazemos o passado ao presente, mas não conseguimos segurá-lo. E nem sempre o desejamos, em vista das marcas que deixou. Bjs.

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  12. Primeiro quero dizer que não podia escolher melhor vocábulo: exaurida é, talvez, o que mais se aproxima do francês épuisée. Este estado vai mais além do cansaço físico, ele fica bem dentro de nós, nos martirizando, nos fazendo desejar um anestesiamento... Provavelmente já todos nós passamos por momentos desses e é angustiante. Contudo, o que relevo neste seu excelente texto, é a sagacidade com que o descreve...
    Adorei. Parabéns! BJO
    (Mas claro, sempre se renasce, é a condição natural do ser humano...)

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  13. Querida amiga
    A minha missão de hoje (nobre missão!) é apresentar parabéns e desejar um muito feliz DIA DA MULHER!
    Um beijo especial pelo dia de hoje.
    Miguel
    PS – Sou um grande amigo da Mariazita (eu me considero o seu melhor amigo…), e é através dela que estou aqui e me atrevi a invadir o seu espaço, pelo que peço perdão… *♥*

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