domingo, 31 de maio de 2009

O Abismo

(imagem da net)


e a palavra que nao sai

que fica presa na garganta

engasgada

estrangulada

cheia de tensão

que se dissolve no ar

porque é sólida

na ameaça

da faca

que corta

o fio da razão


faz-me um favor:

apaga a luz

rasga as cartas

paga as contas

desmonta a cama

deixe-me chorar

o que acabamos por não ser

por não dizer

por ficarmos parados

de lado

ao lado

aos teus pés


eu clamo:

fecha a cortina

encosta a porta

traz-me a garrafa

de água benta

de vinho tinto

e o livro

com as folhas amassadas

como a saia

de cetim

que arrancaste de mim

com a tua áspera sensualidade


e num arpejo:

composto

engulo teu gosto

desfaço desgostos

efêmeras escusas

recusas

nosso estado de desequilíbrio

etílicos

famélicos

procuramo-nos

no silêncio dos céus

da boca amarga


e no último suspiro:

num esforço cruel

sabor de amarguras

medo absurdo

como a fome

como a arte

como o corte

como a morte

escrevo em vermelho

e no luto

do esforço bruto

me faço teu abismo!


Aumenta o som, porque a música, é o/do Mule - Beautifully Broken:


22 comentários:

  1. Perfeito tudo que disse aqui hoje...
    Sabe? meus desenhos estou mostrando agora, são coisas intimas, que poucas pessoas conhecem, mas é linda a ideia que vc me deu, seria otimo dançar com os dançantes, o casal de bailarinos que paulatinamente me remetem a mim mesmo. Seria otimo dançar com eles, imagina 3 metros de altura?
    Queria saber mais de você, me adiciona no msn: diogo_dariogenes@yahoo.com.br

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  2. Errou.
    "rasga as cartas
    paga as contas
    desmonta a cama
    deixe-me chorar
    o que acabamos por não ser"

    É meu trecho escolhido... talvez esteja me retratando especialmente hoje, mana.

    Lindo, como sempre. Faca afiada, mente desnuda, palavra sentida e cantada.
    Ainda lembro que nem queria ter blog... Olha só o desperdício!!!

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  3. belo poema, parceira, emparedado, kafkiano, porque sabe que no estado de exceção em que vivemos o que é necessário, a liberdade, o que é indispensável, o amor, o que é vital, o encontro, o que é singular, a expressão, está vendado, porque os imbecis, com suas armas diversas, dominam a cena.
    beijos
    luis de la mancha.

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  4. Valeu, Poeta Eterno, vamos dialogando, obrigada pela visita! Mas pensei em dimensões menores, coisa de 30cm? ;)

    mAna, é facto, o seu dia estava para este, mas a partir de agora, desconfio que se fosses escolher, seria aquele, hã? Que tem o sabor da ironia, da vida, da força e da alegria, tudo ao mesmo tempo, como tu! Um abraço bem apertado, claro que subirei na cadeira, afinal, 2m de mulher pra uma baixotinha que nem eu... Mas nem todos os nossos encontros do mundo, mata a saudade que eu tenho de ti.

    Sim, parceiro, as tuas análises sempre são certeiras, mas especialmente nesse, havia uma atmosfera sufocante, estrangulante, emparedada que me impulsionava a transbordar. Feito!

    Beijos pra vocês.

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  5. Olá Canto da Boca :D!

    Que imagem linda!! Bom gosto!

    Que cadência, que andamento musical tem o teu poema! Rápido como o trovão do fim, cutilante como a dôr da separação, vermelho como o sangue que fervilha de sentimentos contraditórios (amor/ódio, raiva/paz, desejo de viver/de morrer etc).

    Parabéns, minha linda!!

    Beijinhos

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  6. Belo, doce e áspero dizer de bocas que parecem já não mais selar-se... Belas palavras de poemas a fundo, num blogue no mínimo maravilhoso (digo isso por não entender a restrição do blogspot quando cá aportei...)! Enfim, voltarei e em breve! Abraço e parabéns pelo seus cantos perdidos numa grande e tragável boca prestes a engolir qualquer desavisado!

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  7. Mais um instante de encantamento este que experimento agora.

    Esse abismo bastante que se instala,pronto para nos arrastar.O corpo efêmero e precário,pleno de desejos afligidos,esquece a 'ameaça da faca que corta o fio da razão' e se contempla no abandono.

    Há sempre um transbordamento de emoções em seus escritos,Boca.Tudo muito contagiante.
    Beijos

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  8. estamos sempre à beira de um abismo ou no limiar de uma escalada, pois a vida é feita muito mas de saltos do que de continuidade. Belo poema :)
    Estou agora tetando escrever contos, pois adoro contos, mas nunca me senti bem os escrevendo, talvez por conhece-los melhor do que aos poemas. Talvez um tanto de ignorância nos dê mais coragem. Por isso resolvi deixar adormecido meu super-ego, pelo menos nos momentos que eu invento meus contos (se bem que, é claro, a realidade está sempre presente de alguma forma na ficção).
    Beijo

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  9. vermelho no preto, o resto é mar

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  10. Puxa...
    delícia de ler e guardar
    no silêncio da só gente
    "em vermelho e no luto do esforço bruto me faço teu abismo!"

    Bjins entre sonhos e delírios

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  11. Max,

    Nós, nossa natureza conflitante, cnflituosamente humana, no sentido "nietzscheano", sombriamente "kafkaniano", e rápido como a vida! Obrigada pela sempre inteligente e elegante presença.
    Beijos carinhosos e um domingo ensolarado.
    ;)

    ..........

    Dilberto,

    Adorei a análise, um resumo cheio de qualidades, acerca de escritos tão descomprometidos, mas sempre atenta, pra aBocaNhar, no bom sentido, claro, os desavisados que aportam sua nau, no meu portoCanto!

    Ótimo domingo, e obrigada pela visita, volte sempre!

    ;)

    ...............

    Amarísio,

    Sim, às vezes a vida se-nos-configura momentaneamente em absimos, espamos, e indefinições, e o pensamento se expande em deambulações, mas sempre existe o fio inquebrantável da razão, é tênue, quase invisível, mas que nos mantêm presos ao algo, ou "alguéns". Mas a emoção é meu elemento que nunca falta, risos.
    Prazer imenso ter você aqui, viu?
    Um domingo criativo e muito feliz!

    Beijos.
    ;)

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  12. Benno,

    Parece que a vida é um eterno desafiar-nos, desfiar-nos. Ora estamos ladeira abaixo, ora estamos ladeira acima, mas em constantes movimentos, isso é também nosso alimento. Ainda bem que deste uma chance ao seu super-ego, de descansar e ficar adormecido um pouco, ao menos nos deste o privilégio de lê-lo contista, já sabes a minha opinião.

    Um ótimo domingo pra ti, os teus e as tuas. É sempre um grande prazer tê-lo no Canto.

    Beijo.
    ;)

    ...............


    Quincas B.,

    "São coisas que eu sei contar..."

    Se tivesses escrito, "O Vermelho e o Negro" (Jesus, salvai almas! Que audácia a minha), eu dir-te-ia, que igual ao Julien Sorel, são as paixões, que me levam à ruína, risos.
    Eu curto seus comentários, sempre e excessivamente profundos.

    Um domingo bem lindo pra ti.
    ;)

    .............

    Catiaho,

    Às vezes somos o abismo dos outros, não é, minha linda? Além de construir os nossos... Mas a reflexão é o nosso álibi e a desculpa nossa palavra-porta, abre e escancara todas as trancas.
    Leia e guarde no coraçao, na alma, na retina.

    Um domingo cheinho de alegrias, e um beijinho, obrigada por estar aqui e deixar suas sensações, emoções que transbordantes, me deixam envaidecida.
    ;)

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  13. Cara, muito bom!
    Denso, consistente, intenso.
    Adorei, MESMO!!!!

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  14. Veloz e certeiro como uma flecha.

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  15. BoBoca do meu coração! Que poema mais delicioso, este! Embora o travo de tristeza, as palavras descrevem uma alma apaixonada e apaixonante. E descrevem lindamente o encontro de bocas e tempos que ainda não se perderam, né?
    E escrever em vermelho é sempre a chegada! rs...
    Beijoconas, moça-poeta!

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  16. Belo o poema.
    Fatal, por vezes, a atracção do abismo.
    Bj

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  17. Ahh 30 cm? Não!
    Se fosse assim seriamos maiores que eles, quando a ideia é sermos nós o chão onde flutuam os bailarinos...
    Tem desenho novo no blog.. estou inaugurando uma "sessão" só de desenhos meus.

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  18. Ju, obrigada pela visita e por ter sentido a força do poema... Volte sempre que quiser, prazer te ter aqui.
    Beijo!
    ;)

    .................

    Curto gento de coragem, "Anonimo", isso quer dizer que assmuir a máscara do anonimato não é pra qualquer um/a não.
    Obrigada pela visita, com ou sem "impressão digital" no documento, volte qdo quiser.

    Um beijo!
    ;)

    ....................

    Mulher na Janela, prazer grande ter-te também aqui nesse Canto. Sem vocês essa "beleza estonteante" não faria sentido. Obrigada pela vinda, a casa é sua.

    Um beijo!
    ;)

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  19. LoBoBona!
    Alegria danada te ver aqui... Tentei nesse poema, registrar um momento de "denúncia" desse desenfreado sistema que nos rege e que regemos igualmente, e que nem sempre reagimos a ele. Da mordaça que nos cala, quando queremos gritar sonoros nãos à alienação que nos cala; que nos embriaga e adormece, e então somos sempre Abismos, nossos, dos outros, afinal estamos todos interligados, somos interdependentes, e nem sempre as bocas podem em uníssono emitir o mesmo som, ou provar do mesmo beijo. Enfim... Impregnada pela tese, entende?

    Monte de beijos procê!
    ;)

    ...................

    Ana,

    É sempre uma grande alegria ter-te no Canto. Sim, é facto o Abismo a nos chamar, e ou nós a chamá-lo... Obrigada pela visita, o Canto é seu!
    Beijo!
    ;)

    .................

    Poeta Eterno, oi!!
    Então, então és o senhor do destino das estátuas, façamo-las gigantescas, pensei agora uma alameda ladeada por uma centena delas, um caminho sinalizado para flutuações, delírios e criações, ou o que se-lhe-nos apetecer!
    Sempre grata pela sua visita!

    Beijo!
    ;)

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  20. Menina, que lindas imagens!!!!!!!!!!!!
    Acredito que a sua inspiração poética esteve presente o tempo todo junto de você durante essa viagem por lugares tão maravilhosos como Veneza.
    Beijos e obrigada pela visita.

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  21. Puta que pariu! Que poema mais lindo. Dez pra ti minha Linda!

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