segunda-feira, 21 de maio de 2007

"... Pelas ruas que andei..."


Tenho comigo uma sede de descobertas que não ficou perdida apenas nas lembranças da infância, carrego ainda esse desejo de desbravar o mundo, o micro e o macro; o pessoal e o geral; conhecer não para sobrepor-me à vida, mas para entendê-la e a mim também. Gosto de espiar e escutar o derredor, há momentos em que prescindo do ambiente para mergulhar nele, sou ao mesmo tempo: expectadora, narradora, autora e personagem da cena que observo/vivo...
Assim é sempre quando caminho pelas ruas da minha cidade, da minha quinhentista cidade. Gosto de andar a esmo por ela, sair sem saber onde vou chegar; caminhas pelos becos estreitos, com casinhas uma quase dentro da outra e olhar por entre as frestas dos portões os seus jardins e respirar o indefectível e insubstituível cheiro de jasmim, e de quando em vez cometer um ‘jasmincídio’... Tenho esse gesto vil: de arrancar um jasmim de seu pé e sair cheirando-o. Já enviei muitos 'jardins olindenses', em envelopes locupletados de afeto, por esse Brasil e mundão a fora...
Gosto de sentar-me nos banquinhos de madeira e ferro, nas praças de nossa histórica e bela cidade e olhar os transeuntes e a partir de seus gestos e trejeitos inventar-lhes um mundo, uma história...
Assim sendo, na tarde do domingo passado, subi a Sé... E fiquei como sempre maravilhada com a vista que a minha vista alcança: barracas com seus cheiros, cores e sabores; gente fervilhando pela rua que se estreita ante a quantidade de pessoas caminhando; as próprias gentes com seus cheiros, suas cores, suas origens distintas; suas falas, linguagens, indumentárias, a tentativa óbvia de se passarem por ‘locais’, suas particulares histórias e todas desembocando no mesmo espaço: Alto da Sé de Olinda.
Pedi um caldo de cana e fiquei a bebericar, sentada num banco de madeira, as pernas esticadas sobre o parapeito da pracinha... E diante de mim a vastidão do oceano... O encontro das duas cidades: Recife e Olinda. Uma funde-se na outra, desde o mar a terra; desde o céu azul aos sonhos...
Crianças corriam ao meu redor, senhoras conversavam risonhas, namorados beijavam-se. Havia uma sinfonia no ar, gritos, risos, música e a paisagem que nunca sai da minha íris. Nem os desejos que nunca desaparecem de mim, fiéis companheiros de uma vida inteira, vivida e por viver. Ah! Como há coisas a viver...
À minha direita, o observatório astronômico [restaurado e agora podendo ser visitado], o primeiro da América do Sul fazendo ponto com o Museu de Arte Sacra que nunca abre aos domingos... Nunca entendi isso... Esse fechamento à visitação, e ao mundo... Logo mais abaixo, a galeria de arte do Thiago Amorim, ‘As quatro Galeras’ e suas belas esculturas, ainda com toda a ‘carga’ de Tracunhaém...
À minha direita ela, a imponente e soberana Igreja de São Salvador do Mundo [ou a Igreja da Sé], o padroeiro da provinciana cidade. Com suas duas torres sineiras e o corpo central... A nave do centro, com seu traçado original quinhentista, resgatado séculos após ser incendiada pela fúria e desejo de poder dos holandeses, no século XVII .
É composta de três belíssimos altares, sendo o central ou altar-mor ricamente construído com fios de ouro e madeira entalhada. O teto da nave central é em forma de arco, com pinturas que lembram a Capela Sistina e a criação do mundo... Colunas em estilo coríntio, quase tudo lembra esse estilo, desde o pórtico da entrada aos capitéis dessas colunas... Compridos bancos de madeira com pés de ferro, dispostos em duas filas, para acomodação dos fiéis ficam entre as colunas; do lado direito da parte interna da igreja, imensos sinos de ferro, descansam; um grande tapete vermelho estendido no corredor central, que leva até ao altar principal; cheiro de incenso; imagens de santos e santas dispersas por toda ala completam o cenário. Entrando pela lateral da igreja temos um pátio em estilo mourisco que faz-nos crer que estamos diante de um mundo recém-criado: o oceano atlântico à nossa frente, o céu azul emoldurando a paisagem e folhagens verdes de toda espécie balouçando despreocupadas ao sabor do vento [norte]... Estamos diante do paraíso, penso...
Tenho guardado comigo cartas [cópias, evidentemente] que são verdadeiros tesouros paleográficos, em que o Bispo dessa Sé pedia ao rei de Portugal, dinheiro, para a compra de ornamentos, paramentos e reformas da igreja, o ano? 1622... Portanto, oito anos antes da invasão holandesa, era uma igrejinha de taipa e barro, mas estilosamente quinhentista.
Nossa Sé passou por quatro grandes reformas:
A primeira data de 1654, restaurada após o incêndio capitaneado pelos invasores holandeses ainda no ano de 1631, um ano após chegarem a Pernambuco;
A segunda deu-se em 1911, estilo Neogótica;
A terceira aconteceu em 1936, estilo arquitetônico: Neobarroca;
A quarta, e última restauração em 1974 – 1984, a Sé como temos hoje, um estilo Maneirista, resgatando o traçado original quinhentista...
Saio da Sé, como quem nasce de novo, pois cada vez que ali vou, renovo-me e entro num plano sagrado que transcende o humano, é também ali, quando em atitude genuflexa, encontro-me diante do Criador, que nos possibilitou [e possibilita] viver num mundo fraterno, mais humano, mais feliz e esperançoso; cantarolo uma canção em que invoco todas as forças da natureza e visto-me de fé e esperança, carregando na alma o impossível para muitos: a paz, a alegria e a certeza de que novos amanhãs sempre virão.



P.S.
Hoje estou impregnada de Olinda, minha olindens[C]idade se fez extrapolar hoje, desde cedo escuto Alceu Valença e seus hinos de amor à nossa cidade. Nesse exato momento, ouço:
Marim dos Caetés - “Não chore menina bonita, se Deus quiser te vejo na Marim guerreira dos Caetés, de novo pra subir ladeira, te dou meus pés, Olinda Marim tão bonita dos Caetés... Vamos embora cabra, cabriola, tá chegando a hora da gente arribar, vamos embora já fui caipora, no jogo da sorte sempre dei azar... Vamos embora sei do itinerário por ali passamos, por aqui passou, uma la ursa da fita amarela fazendo janela para o nosso amor...

Especialmente pra minha maninha Ana Cláudia, envio pelo meu olhar, um pedacinho da nossa cidade...

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