terça-feira, 22 de maio de 2007

"Soy Infeliz..."

(imagem da net)


....O lugar era escuro, um tanto lúgubre, fumaça de cigarros, cheiro de uísque de terceira, um pardieiro meio fétido... Uma atmosfera marginal...
Casais dançavam sem sair do lugar, acariciavam-se, “naquela escuridão ninguém observava mãos ousadas, procurando ninho”, não se importavam com o fato de estarem sendo observados pelas pessoas... No balcão, homens e mulheres desacompanhados perdidos em seus pensamentos, mergulhados em suas solidões e em seus restos, bebiam tequila, cubra-libre, margarita* e alguns drinques coloridos. Uma radiola de ficha emitia a canção, Soy Infeliz – Lola Beltrán.
Ela bebericava uma dose de dry Martini [não queria ficar de porre, apenas degustar com vagar, se perder e se achar em suas lembranças], e fumava uma cigarrilha [Davidoff], alheia ao derredor... Imersa nas lembranças... Desde a noite em que se fizera dele mulher, até a fatídica tarde em que o encontrara aos beijos com outra...Um surdo furor lhe envolveu, é acometida por um ódio mortal, apaga a cigarrilha nas coxas roliças e brancas, e deixa cunhada a marca da raiva, uma lembrança em carne, brasa e dor... Num salto, põe-se de pé... E vai sozinha, à pista de danças daquele féerie... E como se uma entidade, estranhamente tomasse conta do seu corpo, começa a dançar... Movimentos frenéticos e sensuais, um sorriso entre misterioso e irônico, se instala em sua boca... Suas mãos parecem ter vida própria, acaricia o pescoço, o vão dos seios, com o corpo meio desnudo oferece-se aos olhos de quem quiser vê-la. Os cabelos longos, esvoaçantes, como em cascatas caíam sobre seus ombros. Os quadris num requebro diabólico convidavam aos jogos eróticos. O corpo explodia em desejos, o suor escorria, e ela lambia-o, gotículas salgadas no canto dos lábios... Era só luxúria naquele momento. Úmida entre as pernas, cada vez mais aumentava a vontade de meter as mãos debaixo da saia, encontrar a carne palpitante, desejosa, e acariciar-se... Ainda que por cima da calcinha minúscula, branca, de renda francesa... Ria, e crispava as unhas bem feitas, pintadas de esmalte vermelho, no próprio dorso... Abraçando-se, como se, se bastasse. Em segundos toda a sua vida é revista como num filme...
Como que por encanto, sente a presença de alguém, abre os olhos e depara-se com ele. Ele! Parado à sua frente, encaminhando-se, em sua direção com o andar de um leopardo, a diminuir o espaço de sua presa. Ele, o predador.
E ela revia os momentos passados, tremia e ficava mais excitada, ao pensar em seus corpos nus, entrelaçados. A boca estava seca, entreaberta, arfava, ofegava... Ela acendia, ficava em brasa, na presença do seu homem. Àquele homem sabia explorar cada cantinho, cada recôndito de seu corpo. Como um especialista, uma técnica invejável, conseguia laçá-la ao mais alto céu do prazer. Era habilidoso, experiente, vivido, calejado na arte de proporcionar prazer. Não podia negar. Aquele cafajeste era tudo o que ela precisava. Viciara-se nele. Sua droga mais pesada.
Quem ousou mudar a música?
Cúmbia Villera – Yerba Brava. Na radiola de fichas... E ele... Bailando e rindo desavergonhadamente em sua direção, motivo suficiente para entrar em conflito e sair do torpor, do transe. No fio da navalha caminhava: entre o amor e o desejo; a raiva e as lembranças. Ela chegara a um ponto crítico, já havia tentado de tudo para abandoná-lo, esquecê-lo. Inútil. Ela o amava. Simplesmente o amava. A simples aproximação dele, somente uns poucos centímetros de distância, causava-lhe àquele entorpecimento juvenil, àquela inundação de sentimentos que a enlouquecia, daquela loucura toda que a envolvia, a amedrontava, e àquela confusão monstruosa que vivera quando o encontrara aos beijos com outra. Era avassalador.
Ele a envolvia sem tocá-la. Tocava-a com os olhos, com os demais sentidos. E se perguntava quem errou mais? Por que não fora até ele e a moça e questionara tal cena? Isso não importava agora. Só sentia a presença imponente dele. O que importava o beijo dado, n’ outra? Sabia que sem ele não sobreviveria. Mais que atração, mais que paixão, amava-o verdadeiramente em qualquer situação. Sentia em cada fibra do seu ser que era ela que ele queria. Beijar outra fora um acaso fortuito. Porque a mulher, a mulher escolhida para a cama, para todos os lugares e dias, era ela. Os olhos, o corpo dele confessava que... Isso... Foi o instinto machista. O desejo primitivo de beijar uma fêmea que o levara a experimentar os lábios de outra.
Pé de ouvido, sussurros, palavras baixas porque os corações estavam próximos e o mundo fundia-se em desejos. Eles serenos como quem se perde e se acha, encontravam-se nos beijos gulosos dados no centro do salão. O corpo esbelto dela ligava-se ao dele, como um amálgama, eram um só. Entravam de novo no ritmo do que era certo, do que os mantinham juntos. O mundo já não mais existia, beijavam-se, abraçavam-se, tocavam-se, desejavam-se, usufruiam-se; suspiravam, gemiam, deliravam. Reencontraram-se. Ela reencontrara o seu homem. Ele, a sua mulher. Mais que expectantes, eram braços em repouso, aguardando que chegasse a hora de sumirem dali e deitarem-se sem nada, sem nenhuma barreira entre eles. Os abraços não mais bastavam, precisavam sentir-se. Dentro. Entre. Sobre. Corpo entrelaçado entregue à paixão que os dominavam.
E renasceriam para sempre assim, um no outro.

Enquanto brincava com as palavras e os desejos, ouvia seguidamente as canções: Soy Infeliz, da mexicana Lola Beltrán e Cúmbia Villera – Yerba Brava...

SOY INFELIZ - Lola Beltran

“Soy infeliz porque se que no me quieres para que mas insistir... Vive feliz si el amor que tu me diste para siempre resenti... Soy infeliz porque se que no me quieres, piensas que morir... Que me sirvan otra trago con dinero yo los pago pa' calmar este surfrir... Vive feliz en tu mundo de ilusiones... No pienses mas en tu amor y tus traiciones...”


*Amore mio, gracias pela retificação...


14 comentários:

  1. Uma palavra: saudade..
    Bjs..

    (trouxe o comentário pra cá..)

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  2. Soy mui infeliz sem vc

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  3. Esse texto é ótimo. Provocativo por essência, uma referência quase pessoal a vc. Como construção narrativa é envolvente. Como escrito da Val, ainda mais envolvente. Gosto e por gostar aqui estou, como seus demais amigos, fãs e toda sorte de leitor. Um texto só não basta, uma leitura só não basta. Um beijo só não basta.

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  4. Bom de ler, melhor de reler. O que seria da nossa infelicidade sem Lola Béltran? ;-))) Amo-lhe!!!!

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  5. Bendita Cubana, assim eu lhe conheci, mulher. Soy Feliz!! Todos os beijos.

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  6. Saudades de vc já... dê noticias... bjus!!

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  7. Quero saber se você vai me ensinar a dançar? Saudades de vc Valzinha. Beijos.

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  8. Finalmente de volta, caríssima. O jejum estava ficando sem graça.

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  9. Impressionante! Sua capacidade de nos envolver no texto.

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  10. O cenário eu reconheço, é familiar pra mim. A história é quase o contrário. Mas você branquinha faz com que tudo seja maravilhoso, até a tal de cúmbia.. Mil beijos..

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  11. aposto q escreveu "marguerita" né?!...hahahahaha... Q coisa isso... que situação multiforme, embolada, embricada... Por um momento achei a escrita cansativa, mas percebi que não era a escrita... é a situação... se render ao desejo, ou melhor, se reconhecer impossível de negar-se ao próprio prazer, e não mais ao outro... perceber-se propriamente pulsante, e o mais... cansaço, como este que senti achando que era o texto.

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